O Estado de S.Paulo – Caderno 2
18 de agosto de 2014
por Vanessa Barbara
Sofro de depressão há dez anos. É como estar deitado num colchão d’água e ir afundando, afundando, até não poder mais enxergar o próprio nariz. Há fases boas e fases piores, mas na maior parte do tempo a sensação é a de viver em cima desse colchão: um bocado mais difícil do que caminhar em terra firme, mas possível. E você acaba adquirindo uma técnica própria, um estilo. “É como tentar manter o equilíbrio enquanto dança com um bode”, definiu o jornalista Andrew Solomon, autor de O demônio do meio-dia, um clássico sobre o tema.
Quem tem depressão vive tentando esconder um segredo, como se os outros é que fossem sensíveis demais para absorver a notícia; é difícil falar sobre isso e mais difícil ainda assumir a doença, o que apenas faz reforçá-la.
Em seu recente epílogo à edição brasileira, Solomon afirma que o preconceito em torno da doença mental é uma das batalhas dos direitos civis da nossa geração, sendo associada a fraqueza moral, preguiça e frescura. Também o pesquisador Jonathan Rottenberg, em The Depths, afirma: “As pessoas ainda se sentem inclinadas a sussurrar quando se fala de depressão”.
Solomon confessa que, hoje em dia, acha fácil discorrer sobre o assunto – desde que seja com o verbo no passado. Quando está bem, é capaz de se expor e entrar em detalhes, mas, no meio de uma crise, tudo se torna subitamente vergonhoso. “Percebo o absurdo dessa reação. Este livro foi publicado em 25 idiomas; seria difícil ser ainda mais público a respeito da depressão do que fui. E, contudo, quando tenho de cancelar um plano por causa da minha saúde mental, invento um rosário de doenças somáticas, desculpando-me com casos míticos de gripe ou tornozelos torcidos fictícios.”
Seis semanas mais tarde, ele pode admitir para as pessoas a quem mentiu que estava tendo uma crise, mas, naquele momento em específico, parece impossível ser honesto. “Em parte, isso se deve ao fato implícito de que você tem que estar num estado de espírito vigoroso para se livrar do estigma da depressão.”
Além de injusto, é algo bem ilógico. E pode levar a um ciclo de disparates bastante conhecido pelos deprimidos: se você diz que não está bem e não vai poder fazer determinada coisa, podem chamá-lo de preguiçoso e falar que você só arruma desculpas, então você passa realmente a arrumar desculpas para não ferir a “sensibilidade” dos outros, como se uma otite ou uma pedra no rim fossem mais reais do que uma crise brava de depressão.
É mesmo necessário estar num estado de espírito vigoroso para enfrentar a falta de compreensão alheia.
P.s.: A propósito, recomendo “gripe” para os meninos e “cólica” para as meninas, pois são desculpas com excelente aceitação social.