International New York Times
28 de agosto de 2014
por Vanessa Barbara
SÃO PAULO, Brasil – De acordo com a CNN, não há introvertidos no Brasil. “É uma cultura animada que pode fazê-lo sair da sua concha, ajudá-lo a relaxar e ter os melhores dias da sua vida”, diz um artigo sobre turismo no Brasil, que também destaca nossas conversas barulhentas, buzinas escandalosas e “carros de som que berram propagandas pela vizinhança com a ajuda de dezesseis amplificadores”.
Como qualquer tentativa de reduzir uma cultura inteira em poucos tópicos, trata-se de um retrato preguiçoso e estereotipado do Brasil. Mas existe alguma verdade nele. Aqui, como em outras partes do mundo, os extrovertidos fazem tanto barulho que ninguém mais tem a chance de ser ouvido.
Em O poder dos quietos, a escritora americana Susan Cain afirma que a introversão “é, hoje, um traço de personalidade de segunda classe, classificada em algum lugar entre uma decepção e uma patologia”, enquanto a extroversão “tornou-se um padrão opressivo que a maioria de nós acha que deve seguir”. Os extrovertidos estabelecem suas regras e nos forçam a segui-las; dessa forma, todos os brasileiros têm de ser empolgados e sociáveis, beijando estranhos o tanto quanto possível e dançando forró como se não houvesse amanhã.
Isso é especialmente contraditório quando se aplica à minha carreira. Se você, como eu, escolheu ser um escritor, isso provavelmente quer dizer que gosta de ficar sozinho e se expressar por escrito. É claro que não implica necessariamente que você é um ermitão, mas significa, sem dúvida, que a socialização deveria ser opcional. Não uma parte indissociável da sua carreira.
Ano após ano, escuto exatamente o contrário. Então me deixe ser clara a esse respeito: dar palestras, participar de eventos literários e promover livros em turnês não é o meu trabalho. Meu trabalho é sentar e escrever. Todo o resto pode ser benéfico para a minha “imagem pública” ou a venda dos meus livros, mas não é obrigatório. (Pergunte a J.D. Salinger, Harper Lee, Thomas Pynchon, Marcel Proust e Gustave Flaubert.)
E ainda assim, a internet está repleta de dicas de networking, alertando que “talento literário e ideias originais não são o suficiente para garantir o sucesso nessa área. Você também precisa de habilidades de marketing matadoras”. Outros falam das “demandas promocionais de uma carreira literária bem-sucedida”.
Mesmo Susan Cain, a mais ferrenha advogada da causa introvertida, teve de convencer seu editor de que era suficientemente pseudoextrovertida para promover O poder dos quietos. Ela se sujeitou a um ano de aulas de oratória antes de sair em turnê para promover o livro e de apresentar uma palestra no TED. Na obra, ela menciona um sentimento bastante comum entre os introvertidos: no caminho para apresentar um seminário, ela se viu “rezando por um desastre – uma enchente ou talvez um pequeno terremoto –, qualquer coisa que me impeça de passar por aquilo”.
Sei do que ela está falando. Às vezes digo a mim mesma que posso morrer antes do meu próximo compromisso de falar em público, e isso é um pensamento reconfortante.
Eu sempre fui tímida. Nunca gostei de festas barulhentas com crianças demais. Na hora do recreio, preferia ler e escutar música. Desde a pré-escola, me disseram que isso era um problema e que eu precisava mudar. No ensino médio, uma orientadora educacional me disse que eu nunca teria sucesso na vida se não olhasse as pessoas nos olhos. (Ela era claramente um alien mutante que pretendia se alimentar da minha alma, e eu não ia cair nessa.) Uma vez estava jogando vôlei e ela me tirou da quadra para me dar uma advertência por escrito, dizendo que, se a minha conduta antissocial continuasse, eu seria suspensa por dois dias. Aparentemente, participar de esportes coletivos não contava.
Tive a minha vingança ao escrever uma graphic novel inspirada nela, cujo enredo envolve inocentes máquinas de Goldberg.
É provável que eu sempre tenha sido assim. De acordo com uma pesquisa efetuada por Jeremy Kagan, então um psicólogo de Harvard, o temperamento humano é detectável muito cedo e possivelmente herdado. Dessa forma, a introversão é melhor descrita como uma espécie de alta sensibilidade. Segundo a pesquisa, bebês que chutavam e choravam diante de estímulos externos – ou que, em outras palavras, eram altamente sensíveis a eles – tinham mais chances de se tornar adultos introvertidos. Os bebês menos reativos, que precisavam de mais estímulos para se interessar e se envolver, tinham inclinação a se tornar extrovertidos. É a “longa sombra do temperamento”, como Kagan intitulou seu livro de 2004, escrito em parceria com Nancy Snidman.
A introversão não é uma doença nem uma falha de caráter que precisa ser curada ou disfarçada. Apesar de ainda não olhar as pessoas nos olhos, consegui viver e trabalhar como bem entendi. Apenas presumia que as demandas sociais para interagir e socializar a qualquer custo eram inconvenientes que eu devia encarar como fatos da vida.
Até que, no mês passado, após aceitar fazer palestras na Feira Literária de Gotemburgo e me ver desejando ardentemente quebrar uma perna ou romper uma ou duas artérias cerebrais, percebi uma coisa: eu nunca diria a um extrovertido o que ele deve fazer com sua vida. Nunca diria: “Você precisa socializar menos. Vá para casa e fique lá por alguns dias, leia uns livros e passe algum tempo de qualidade consigo mesmo. Apenas pare de interagir o tempo inteiro”.
Sei que isso seria absurdo. Então por que os extrovertidos se sentem tão livres para impor seus valores aos outros?
Este texto foi publicado em inglês no International New York Times do dia 28 de agosto de 2014. Tradução da autora.