O Estado de S. Paulo – Caderno 2
15 de setembro de 2014
por Vanessa Barbara
Dois meses após o término da Copa do Mundo, o governo ainda não sabe dizer quanto custou o evento. Também não divulgou qual foi o impacto do torneio na economia brasileira, porém admitiu que a queda do PIB no segundo trimestre deveu-se à redução de dias úteis no calendário provocada pelos jogos.
A chamada Matriz de Responsabilidades da Copa, que é a tabela oficial de prestação de contas do governo, foi atualizada pela última vez em setembro de 2013 – ou seja, há um ano. Naquela época, previa-se um gasto total de R$ 25,5 bilhões, dos quais 85,5% de recursos públicos. Hoje não se sabe qual a verdadeira dimensão dessas despesas.
Em entrevista para o blog do jornalista Rodrigo Mattos, do Uol, o secretário executivo do Ministério do Esporte declarou que as contas só serão atualizadas em outubro – provavelmente depois das eleições. Ele não soube informar se o número deve subir ou descer, mas deu a entender que não pretende incluir novos itens, apenas revisar os existentes.
Naturalmente, o assunto não causou espanto.
Assim como não parece ser um problema o fato de que, segundo o portal Superesportes, das 32 obras de mobilidade urbana que restaram na lista, 23 não estão concluídas (Em Cuiabá, fala-se em uma constante “revitalização dos tapumes” da avenida do CPA).
A passividade com que muitos de nós assistem, do sofá, aos lances mais acintosos do cotidiano é um dos legados desta Copa, que contou com botinadas dignas de replay.
Tivemos o episódio das capas de chuva, no qual o governo de Brasília quase efetuou a compra de 17 mil impermeáveis a R$ 314 cada – ainda que a Copa fosse disputada em época de seca. Tivemos um estádio que custou R$ 1,4 bilhão e apresentou goteiras. Tivemos oito operários mortos durante a construção das arenas, e também a queda de um viaduto em Belo Horizonte com duas vítimas fatais.
Em São Paulo, as manifestações contra a Copa resultaram em 89 pessoas feridas e 508 detidas – a maioria para “averiguação”. Muitos protestos não puderam nem sair do lugar, em episódios de forte repressão que foram denunciados pela Anistia Internacional.
Nada disso chegou a ser tão discutido quanto a contusão do Neymar, que adquiriu contornos de tragédia nacional – ainda que 45 dias depois ele tenha voltado a jogar -, e, por fim, o placar do jogo contra a Alemanha, que até hoje é considerado fonte de “vergonha” e “humilhação” para o povo.
A julgar pela sonora indiferença do público e da mídia com a Matriz de Responsabilidades da Copa, a corrupção e o superfaturamento estão absolutamente liberados para os próximos Jogos Olímpicos. O resultado no esporte nem precisa ser bom – e é quase certo que ninguém vai se interessar pela conta.