O Estado de São Paulo – Caderno 2
29 de setembro de 2014
por Vanessa Barbara
Conhecer um país estranho é como voltar a ter cinco anos: você não vai entender se é pra puxar ou empurrar, vai tomar bronca o dia todo, comer areia e envergonhar os adultos. (Na dúvida, convém não encostar nas coisas.)
No meu primeiro dia em Londres, logrei êxito em acionar um alarme de emergência no banheiro de um hotel chique. Pensei que aquela cordinha vermelha servisse para acionar a descarga, e foi com gosto que a puxei – talvez mais de uma vez, feito um sino.
Vi que alguma coisa estava errada quando a descarga não funcionou e ouvi um apito estridente que não parou enquanto não puxei de novo a cordinha – seguiu-se um burburinho de ingleses desesperados lá fora, perguntando se estava tudo bem. Encontrei a cordinha certa e saí do banheiro sem olhar nos olhos de ninguém.
Em Paris já pedi cuscuz achando que se tratava do cuscuz à paulista. Quando veio aquela farofa e o cozido de carnes, argumentei reiteradamente ao garçom que aquele não era o prato que eu tinha pedido. Como uma boa criança de cinco anos, almocei só as batatas-fritas.
Há quem confunda Roterdã com Amsterdã e desça na cidade errada, ou, como um casal australiano durante a Copa do Mundo, vá para El Salvador em vez de Salvador, na Bahia.
Experimente deixar suas roupas numa lavanderia familiar em Xangai e você nunca mais vai se sentir seguro de si – ou de que seus moletons irão um dia voltar. Tente pedir serviço de quarto num hotel em Macau, ou frango agridoce num restaurante em Hainan. Experimente entabular qualquer tipo de comunicação com os taxistas em Pequim – incluindo aí o seu destino – sem ter tudo anotado em chinês. Até hoje não sei o que queria um sujeito que me abordou na rua em Macau perguntando se eu conhecia alguma indústria aeronáutica naquela região – talvez fosse um código para alguma coisa ilícita. Tipo durians.
Jamais peça durians para comer em Cingapura – eles têm cheiro, gosto e textura de chulé. Não sem razão, o porte de durian no metrô é ilegal.
Na China, dizer “não” para um vendedor equivale a pechinchar vigorosamente por um produto, sendo necessários aproximadamente cinco “nãos” para que ele corte o preço pela metade e finalmente desista. Não me perguntem como efetivamente dizer “não”.
Dos ingleses e alemães você sempre vai tomar um esculacho, ainda que não tenha culpa de nada. As autoridades inglesas são eternas professorinhas de coque com uma régua na mão; se você pisar dois centímetros para fora de uma faixa obrigatória, elas vêm te passar uma descompostura de fazer aflorar a rosácea do primeiro-ministro. Os franceses retribuirão as gentilezas se você tentar falar no idioma deles, mas continuarão bufando a respeito de tudo. Os suecos são muito simpáticos e costumam elogiar quem traz a própria sacola.
Já os chineses riem muito, normalmente de você.