Sim, eu falo sueco

Postado em: 7th outubro 2014 por Vanessa Barbara em Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
Tags: , , ,

O Estado de S. Paulo
6 de outubro de 2014

por Vanessa Barbara

As luvas de inverno estavam em promoção naquela loja em Estocolmo. Pergunto ao vendedor, em inglês, se eles têm daquele modelo em um tamanho menor.

Ele responde que não e, na sequência, engata uma longa explanação – só que em sueco. Eu permaneço parada, olhando e chacoalhando a cabeça em profunda consideração.

Neurônio número 1: Ok, estamos entendendo o que ele está falando?
Neurônio número 2: Não há indícios para sustentar essa hipótese.
Neurônio número 3: No entanto, ele continua a falar.
Neurônio número 4: Que língua mais engraçada. Acho que entendi “couve-flor”.
Neurônio número 5: (Tentando dar sentido a uma suposta menção a “couve-flor” na conversa.)
Neurônio número 6: Não. Não estou entendendo nada.
Neurônio número 7: Então por que ninguém ainda não o interrompeu?

*

Estando na Suécia ou na República Checa, existe um breve momento em que você julga compreender o conteúdo de uma conversação em língua estrangeira – dessas mais excêntricas, sem raízes comuns com o português ou o inglês –, mas em geral é só o cérebro alucinando ou captando alguns gestos e entonações mais reconhecíveis. Depois de uns dias sozinho num país de língua esquisita, existe a curiosa sensação de que, a qualquer momento, uma chave de tradução será acionada e tudo se tornará compreensível. (Como o peixe-babel de Douglas Adams ou a Tardis de “Doctor Who”.)

Às vezes o visitante, ciente dos obstáculos de comunicação, tenta sanar o problema falando a sua própria língua, só que mui-to-de-va-gar. Ou mais alto. Conheci um italiano e uma brasileira que resolviam suas pendências cada um em seu próprio idioma, às vezes falando ao mesmo tempo, numa interação digna de Chewbacca e Han Solo.

Em Gotemburgo, uma brasileira conversava tranquilamente com seus conterrâneos quando foi apresentada a um editor escandinavo. Sob os olhares espantados dos presentes, ela engatou uma conversa com o editor, que foi avidamente acompanhada pelos silenciosos membros do convescote. Ao final do colóquio, ela simplesmente se vira e afirma, como se estivesse pedindo desculpas:

“Sim, eu falo sueco.”

Para alguns, isso é normal. Para a maioria, dominar um idioma obscuro não pertence ao reino do possível, sendo nulas as possibilidades de engatar uma conversação normal com um nativo sem fatalmente dizer coisas como: “Preciso de um colírio para os ouvidos”.

Eu, de minha parte, costumo começar uma frase em francês, continuá-la em espanhol e terminar tudo com um inglês de dar pena. Minha técnica básica de comunicação em língua estrangeira é a de inspirar piedade – seguida pelo método de apontar coisas e imitar patos.

Os chineses naturalmente se divertem muito.