O Estado de S. Paulo – Caderno 2
13 de outubro de 2014
por Vanessa Barbara
Na primeira vez em que vi as luas de Júpiter, estava sozinha com meu binóculo na laje de casa. Montei um tripé, apontei para o planeta e, quando o foco enfim se estabilizou, vi quatro pontos luminosos ao redor. Quase engasguei ao me dar conta do que era. Fiquei olhando para os lados, abanando os braços e repetindo: “As luas! As luas!”, mas não havia ninguém por perto. (Ou talvez tenham todos se escondido.)
Nos últimos anos, obcecada por efemérides celestes e questões de natureza intergaláctica, passei incontáveis horas esquadrinhando o céu em busca de coisas interessantes, e em geral só encontrando minúsculos cocôs cósmicos identificados como HIP 104428. (Confesso que costumo focalizar a região onde se encontra Eta Carinae, na esperança de vê-la explodir de forma gloriosamente pirotécnica, talvez em nosso derradeiro segundo sobre a Terra.)
O fácil acesso a imagens de alta resolução feitas por satélites pouco contribui para a nossa persistência nas noites mais frias. Mesmo em observações com telescópios profissionais, é de bom-tom alertar os novatos sobre a decepção que fatalmente terão, caso estejam esperando anéis em tecnicolor ou estrelas binárias dançando em espirais brilhantes ao som de Tchaikovsky.
O mundo real é bem mais opaco. A olho nu, é possível enxergar cinco planetas, mas, na melhor das hipóteses, todos se parecem com estrelas comuns. Podemos captar as cores de diferentes objetos celestes, mas o que chamamos de “supergigantes vermelhas” não passam de manchas tênues no céu.
Quem acompanhou a passagem do cometa Halley em 1986 sabe o quão distante foi a experiência de uma “cauda de luz varrendo a superfície terrestre”, como se noticiou em 1910.
Pior: há vezes em que não conseguimos sequer vislumbrar borrões. É notória a triste sina de Guillaume Le Gentil, que, em 1771, tentou acompanhar o trânsito de Vênus e falhou por culpa das péssimas condições climáticas. O astrônomo abandonou tudo na Europa e empreendeu uma viagem até a Índia, onde quase que certamente testemunharia a efeméride. Dedicou onze anos à missão, foi dado como morto, perdeu a esposa e não viu nada.
Guardadas as devidas proporções, eu mesma me esforcei para ver o fenômeno na França, em 2011, sem resultados. (Estava nublado.) Também passei noites em claro, à beira da hipotermia, olhando para o horizonte gélido da Islândia, e o que vi em quase todas as ocasiões foi uma aurora boreal semelhante a nacos de nuvens encardidas. Só na última quarta-feira é que finalmente testemunhei labaredas de luz verde dançando entre as estrelas – e foi como ganhar na loteria.
São raros e breves os momentos de glória, mesmo para quem é paciente e está vestindo luvas de esqui. No resto das vezes, convém contar apenas com uma mente imaginativa e o hábito de cultivar reações exageradamente lunáticas diante de coisas que mais ninguém vê.