Cara de Hambúrguer para o Congresso (tradução)

Postado em: 31st outubro 2014 por Vanessa Barbara em Traduções
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The International New York Times
30 de outubro de 2014

Por Vanessa Barbara

São Paulo, Brasil – Foi uma eleição bastante típica no Brasil. Jesus e Osama bin Laden concorreram ao cargo de deputado, bem como Barack Obama, Bob Marley, Papai Noel e o Battman (com dois Ts). O autointitulado “Cara de Hamburguer” infelizmente não foi eleito, tampouco uma candidata de nome “Deputada”. (Quando os resultados foram divulgados, ela não obteve nenhum voto – nem o dela mesma.) Mas um famoso palhaço chamado Tiririca obteve seu segundo mandato na Câmara, depois de estrelar uma campanha de TV bem excêntrica.

No ano que vem, 35% dos nossos deputados estaduais serão milionários.

Em São Paulo, que está se provando um lugar mais conservador do que o resto do país, o número de deputados federais da Bancada da Bala vai crescer 30%. São em geral ex-policiais militares com uma postura de direita e um discurso beligerante; eles defendem a redução da maioridade penal (atualmente de 18 anos), o aumento da repressão da polícia e são contrários a quaisquer leis de desarmamento. Seus lemas são: “Bandido bom é bandido morto” e “Direitos humanos para humanos direitos”.

O segundo deputado estadual mais eleito no meu estado é um ex-policial evangélico que recentemente publicou seu próprio gibi. Em 32 páginas, ele descreve “duas ocorrências policiais inéditas”. Numa delas, um anjo aparentemente vem em seu auxílio durante uma perseguição a dois fugitivos. (Na vida real, porém, três suspeitos foram mortos pela polícia.) Após as eleições, ele defendeu o separatismo dos estados mais ricos daqueles mais pobres que “preferem a esmola do que o trabalho”.

São assim, portanto, as eleições no Brasil: pessoas esquisitas, memes divertidos, forte influência da religião e múltiplas reviravoltas. Cinquenta e três dias antes do primeiro turno, Eduardo Campos, um dos três principais candidatos a Presidência, faleceu num acidente aéreo. Seu substituto, representando o Partido Socialista Brasileiro (um partido de centro-esquerda) foi Marina Silva, uma ambientalista evangélica que subitamente atraiu uma grande quantidade de votos. As pesquisas foram à loucura com sua ascensão. Todos pensaram que ela terminaria numa disputa com a atual presidenta Dilma Rousseff – ou mesmo que ela ganharia as eleições.

No fim das contas, todos estavam errados. O que tivemos no segundo turno foi a velha briga entre o Partido dos Trabalhadores (PT), de orientação centro-esquerda a esquerda, e o centrista Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), exatamente como vinha acontecendo desde 2002.

O segundo turno foi absolutamente selvagem. Dilma, do PT, e seu adversário, Aécio Neves, trocaram insultos e acusações. Na sexta-feira passada, Aécio disse que a presente campanha entraria para a história como “a mais sórdida das campanhas eleitorais do nosso sistema democrático”. Em um único debate, ele acusou Dilma de ser mentirosa 36 vezes, enquanto ela retribuiu o insulto 32 vezes. Aécio declarou que o governo atual era um “mar de lama”. Dilma chamou Aécio de “abominável”. Numa propaganda na TV, ela declarou que o rival tem “mostrado dificuldade em respeitar as mulheres”. Também o acusou de contratar para o governo uma irmã, um tio, três primos e três primas.

Na semana passada, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-Presidente do Brasil e um dos membros mais proeminentes do PT, declarou que Aécio estava atacando seu partido “como os nazistas no tempo da 2ª Guerra Mundial”, ao passo que Aécio comparou João Santana, marqueteiro de Dilma, a Joseph Goebbels, ministro de propaganda de Hitler.

Por três semanas, as pessoas brigaram nas ruas e na internet. Após os debates, gritavam obscenidades pela janela. Amizades foram rompidas; casais se separaram. No Twitter, uma mulher sugeriu aos amigos que combinassem alguma coisa para o Natal, já que praticamente não possuía mais família.

Três dias antes do segundo turno, a revista semanal Veja publicou com antecedência uma nova edição. Baseando-se no testemunho de um doleiro, a publicação alegou que a presidenta e seu predecessor estavam cientes de um caso de corrupção na Petrobras. No mesmo dia, a Suprema Corte rejeitou um pedido do PT para banir a circulação de Veja, mas proibiu que a revista fizesse publicidade da edição, considerada propaganda ilegal. Dilma também ganhou direito de resposta. De acordo com ela, a revista cometeu um ato de “terrorismo eleitoral”. Enquanto isso, a sede de Veja foi grafitada com as palavras “Veja mente” e “lixo midiático”.

É disso que estou falando: uma boa e típica eleição. Na véspera do pleito, as pesquisas apontavam um empate técnico. No domingo, as pessoas deixaram suas casas para votar – já que o ato é obrigatório – e para tirar selfies diante da cabine eleitoral. Alguém decidiu botar fogo numa urna eletrônica; outro colou uma das teclas a fim de obstruir os votos contrários.

Por fim, no domingo à noite, Dilma Rousseff foi reeleita por uma margem estreita: 51,6% contra 48,6%.

Essa coisa de democracia é muito cansativa.


Este texto foi publicado em inglês no International New York Times do dia 31 de outubro de 2014. Tradução da autora.