O Estado de São Paulo – Caderno 2
3 de novembro de 2014
por Vanesa Barbara
Certa vez achei na rua um cartão de crédito e uma carteirinha de plano de saúde. Diante da má vontade do banco e da seguradora, e também do sistema de achados e perdidos dos Correios, consegui localizar o proprietário após algumas horas de pesquisa no Google – era um nome comum –, cruzando dados sobre a empresa onde ele trabalhava e sua data de nascimento, e chegando por fim a um endereço de e-mail anotado no rodapé de um artigo acadêmico sobre engenharia química.
Pedi que o dono fosse buscar os documentos na portaria do meu prédio e ganhei de presente uma caixa de chocolates, mas isso só depois que ele se certificou de que eu não era uma maníaca chantagista nem havia utilizado seu nefrologista favorito.
Outro dia me pediram para checar uma citação à entrada do Museu Picasso de Lucerna, hoje Rosengart Collection: “Não digo nada além do que não disse”, do poeta espanhol Rafael Alberti. Depois de dar em becos sem saída, consegui uma confirmação do próprio curador.
Também sou boa em localizar CEPs de endereços pela metade usando apenas um lápis e um computador conectado à internet (o lápis é para coçar o ouvido) e notabilizei-me pela rapidez com que encontro “um filme dos anos 70 que começa com um morticínio numa repartição e o mocinho da história voltando do almoço”. (Os Três Dias do Condor, com Robert Redford.)
Além disso, passei boa parte da minha vida acadêmica – em todo caso, curta – tentando localizar um jornalista de nome Alexandre, entre uma porção de homônimos, só para saber se havia balões na inauguração do Terminal Rodoviário do Tietê.
Ninguém neste hemisfério tem tanta intimidade com pesquisas em microfilme.
Sou uma espécie de detetive das causas impossíveis, uma detectora de averiguações improváveis, e em sua maioria levemente inúteis. Talvez por ser tímida, descobri muito cedo que havia inúmeras formas de se chegar a uma informação, e é também por isso que sou conhecida pelo furor na redação de e-mails, pela insistência em preencher formulários eletrônicos, por fuçar nos códigos-fonte dos sites em busca de dados ocultos que eu poderia conseguir com um simples telefonema, e pela disposição incansável de quem inclui algo numa lista e só tira de lá quando o problema é resolvido ou um dos envolvidos bate as botas – não necessariamente em episódios relacionados.
Com poucos, porém certeiros, cliques de mouse, descobri onde comprar chá de alface, como faz para pular mais alto, o que significam cores diferentes de xixi e qual é a história oculta dos pisos de caquinhos paulistanos. Numa louca incursão por estatísticas sobre leitura na América Latina, achei um erro numa matéria do New York Times (e não era minha).
Só não consegui ainda encontrar o Daniel de cabelo encaracolado que era bom em matemática e estudou comigo no Marillac em 1993.