O Estado de S. Paulo – Caderno 2
1 de dezembro de 2014
por Vanessa Barbara
Na semana passada, a Companhia do Metropolitano de São Paulo vetou a propaganda do livro “Mascarados” (Geração Editorial), escrito pela pesquisadora da Unifesp Esther Solano e pelos jornalistas Bruno Paes Manso e Willian Novaes. A obra faz uma análise crítica das origens e motivações da tática black bloc no Brasil.
O departamento de vendas do Metrô barrou o anúncio sob o argumento de que o livro poderia “incitar a violência”.
A recusa se apoiou no Regulamento para Exploração de Mídias em Áreas e Equipamentos de Propriedade da companhia, que proíbe a veiculação de mensagens publicitárias “que infrinjam a legislação vigente, atentem contra a moral e os bons costumes […] ou que possam suscitar comportamentos inadequados”.
O problema é que não se trata de um libelo em favor dos black blocs, mas de uma obra analítica alicerçada em entrevistas e em uma extensa pesquisa de campo realizada por uma socióloga. Segue a tradição do livro “Black Blocs” (Veneta), do cientista político canadense Francis Dupuis-Déri, considerado um dos primeiros estudos sérios sobre o assunto.
Em “Mascarados”, Solano diz que o objetivo do livro é justamente se contrapor a uma sociedade que não escuta e prefere reproduzir estereótipos, deixando-se arrastar pelo argumento fácil, a intolerância, a histeria e a trivialidade. “Um dos erros mais grotescos de nossa sociedade é proclamar que o outro não tem nada a dizer”, escreve Solano, que, aliás, afirmou que pessoalmente não concorda com a tática. Mas isso não a impede de refletir sobre o tema.
Ao longo do livro, a pesquisadora se mostra preocupada com a falta de diálogo entre os diversos atores das manifestações populares (mídia, policiais, políticos, manifestantes). “Se o sujeito não participa de meu modo de vida”, ela declara, reproduzindo um pensamento corrente, a saída é “esvaziá-lo de conteúdo, como se fosse um robô que, no caso do black bloc, só sabe depredar, e no caso da Polícia Militar, só sabe bater.” Sua principal preocupação é ouvir sem preconceitos, tentar compreender outros pontos de vista e, dessa forma, enriquecer o debate.
O canadense Dupuis-Déri, que esteve recentemente em São Paulo para um debate na Bienal Internacional do Livro, também defende a importância de examinar a sério as ideias e a lógica dos black blocs, em vez de associá-los de forma indiscriminada à baderna e à irracionalidade destruidora. “Dizer que eles são jovens meramente apolíticos e irracionais é, na melhor das hipóteses, preguiça intelectual e, na pior, uma mentira política”, afirmou.
Curioso é que um livro desses, que convida ao diálogo e à exposição de pontos de vista divergentes à maioria, seja julgado e censurado de antemão – como se a própria obra antecipasse o preconceito de quem se recusa a abri-la.
Não percebem que, nas palavras de Solano, “impor um padrão imutável de entender a vida é mais uma forma de violência”.