O Estado de São Paulo – Caderno 2
22 de dezembro de 2014
por Vanessa Barbara
Quinta-feira passada, em Santa Cecília, um rapaz de cerca de 30 anos, descalço e de bermuda, subiu no teto de um ônibus da linha Lapa 875T. O veículo parou, e outro ônibus colou atrás. O rapaz prontamente fez uso do engavetamento, saltando para o o teto do coletivo seguinte, um Aclimação 508L. Lá do alto, passou a gritar e a interagir com as pessoas na rua, num provável surto psiquiátrico. Transeuntes berraram para que ele pagasse a passagem em vez de ficar pegando carona, e o chamaram de folgado e vagabundo. Rapidamente formou-se uma aglomeração de pessoas filmando com os celulares. A certa altura, ele tirou a roupa e correu pelado, depois tornou a se vestir. Deitou no teto do ônibus e ficou falando coisas aleatórias.
As pessoas ao redor continuaram a xingá-lo. Formaram uma rodinha e pediram que descesse, pois assim poderiam enchê-lo de porrada. Uns caras prometeram trazer uns paus e uma mulher tentou dar uma vassourada no rapaz. Um senhor quase conseguiu puxá-lo pelo pé com violência. A galera do linchamento aumentou; defendiam os direitos de circulação dos trabalhadores de bem e prometiam surrá-lo. (O trânsito já estava liberado e os passageiros do ônibus passaram para o de trás, se é que isso importa.)
Uma moça interveio e disse que não deixaria ninguém machucar o rapaz. A turba passou a gritar com ela, dizendo que defendia “coisas erradas”, ao que ela respondeu que ninguém ali tinha o direito de bater em ninguém, que a polícia já havia sido acionada e que o rapaz devia estar doente. Foi quando um jovem apareceu e disse que conhecia o sujeito. “Mora no meu prédio, é pai de família e advogado. Ele vai trabalhar todo dia de manhã, de terno. Tentei falar com ele, mas olhou para mim e não me reconheceu.”
A turba recuou. Tentaram imaginar o rapaz surtado de terno, gente de bem, trabalhador, pai de família.
A polícia chegou quando o episódio já se arrastava havia vinte minutos. A multidão aplaudiu, e alguns sugeriram que era para “descer o cacete”. Enquanto os policiais estudavam o que fazer, o rapaz fez menção de pular de cabeça. Ouvi gritos de: “Pula! Pula!”. A polícia arrumou uma escada e encostou na parte traseira do ônibus. Numa demonstração de calma e sangue-frio, o comandante subiu de mansinho, sem que o rapaz percebesse.
Enquanto ele gritava e ameaçava pular, o policial o agarrou por trás e o imobilizou. Foram necessários mais dois soldados para contê-lo. Eles o algemaram, desceram-no até a rua e o colocaram na viatura.
Foi quando reparei num senhor que havia chegado há pouco. Era o pai do rapaz – paralisado e confuso. Disse que nunca tinha visto o filho naquele estado, que ele não tinha histórico psiquiátrico. Uma vizinha, gentil, telefonou para a mãe do rapaz e informou que estavam todos indo para a Santa Casa.
(Atrás de nós, um sujeito falou que esperava que o rapaz apanhasse muito na viatura.)
Um Feliz Natal para toda a gente de bem.