O Estado de São Paulo – Caderno 2
5 de janeiro de 2015
por Vanessa Barbara
Conheço um sujeito que ficou temporariamente cego de tanto comer.
O episódio ocorreu há mais de uma década na Cantina e Pizzaria Gordeixos, em Juiz de Fora. A vítima confessa ter se locupletado de massas e pizzas do sistema de rodízio, conversando e mastigando animadamente em vezes alternadas, sem atentar para o perigo que estava por vir.
A cegueira durou cerca de um minuto e foi apavorante. (Ele nega ter solicitado ajuda para continuar a comer sem enxergar.)
Encontrei uma possível explicação para o fenômeno num livro sobre stress (“Why Zebras Don’t Get Ulcers”, do neuroendocrinologista americano Robert M. Sapolsky), no qual se diz que um organismo incapaz de secretar quantidades suficientes de insulina pode favorecer o acúmulo de glucose e ácidos graxos na corrente sanguínea. Isso resultaria em arteriosclerose, falência dos rins e cegueira temporária.
É claro que tal explicação é forçada e não deve sequer fazer sentido. Mas foi uma forma que arrumei para tentar entender os fenômenos fora do comum que me vêm ao conhecimento com frequência cada vez mais alarmante, como esta história contada pelo próprio protagonista do incidente acima:
“Conhecemos um cara que foi perseguido por um tiranossauro na estrada entre Piau e Coronel Pacheco. Ele afirma que só sobreviveu porque seu Chevette estava revisado.”
Aparentemente, os mineiros têm uma propensão extraordinária para protagonizar histórias bizarras. Outro juiz-forano me contou, com riqueza de detalhes, qual era a sensação de ter uma mosca incrustada no olho direito. Ele afirma que estava descendo uma ladeira quando o inseto alado chocou-se contra sua córnea, permanecendo no local até que ele chegou em casa e olhou-se no espelho. A mosca continuava alojada em um canto do olho e teve de ser retirada com cuidado. Cogita-se que uma das asas tenha migrado permanentemente para o cérebro, o que explicaria grande parte de seu comportamento recente.
Foi outro mineiro que me falou de um sujeito que engessou o braço com uma semente dentro, e que, na retirada do gesso, havia uma planta germinando em seu interior.
Conta-se também de uma moça que confundiu areia com pó para cappuccino e tomou uma xícara inteira do que ela suspeitou ser “um café muito ruim”. E de um indivíduo que possuía uma tarântula de estimação e era famoso por andar na beira do Paraibuna tentando catar baratas para a Gorgon. “Eventualmente ele teve notícia de um outro sujeito com uma tarântula, a Pandora, e combinaram de fazer o fantástico encontro de aranhas da Zona da Mata”, conta um professor de filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora (fonte fidedigna, portanto). “Os eventos eram levados muito a sério, já que os animais só tinham essa rara oportunidade para socializar com um membro da mesma espécie.”
Meu voto para 2015: mais mineiros e menos explicações.