O Estado de São Paulo – Caderno 2
19 de janeiro de 2015
por Vanessa Barbara
Andei assistindo aos episódios de “Justice” com o fervor de quem acompanha “Lost”.
Trata-se de uma série de 12 aulas ministradas em Harvard pelo filósofo político Michael Sandel, disponíveis com legenda no canal de YouTube da UnivespTV. O curso aborda as principais doutrinas éticas defendidas ao longo da história, como o utilitarismo de Bentham e Mill (preocupado em proporcionar o máximo de felicidade para o maior número de pessoas), o libertarismo de Locke (defensor do livre mercado) e o imperativo categórico de Kant (focado nos direitos humanos e na dignidade intrínseca dos indivíduos).
Há ação e suspense nas aulas de Sandel, que explica os conceitos a partir de dilemas éticos discutidos pelos alunos. Entre um episódio e outro, eu me desesperava: “Meu Deus! Como é que os filósofos vão responder ao utilitarismo?” ou: “Será que o rapaz pró-meritocracia com relógio de ouro vai aparecer no próximo?”. Passei madrugadas torcendo para Rawls e discordando veementemente de Aristóteles, aquele pateta que prega a distribuição de flautas só para quem sabe tocar bem. Fiquei sem resposta em alguns momentos, revi meus conceitos e, mais importante, consegui fugir dos spoilers.
Sandel submete à argumentação dos alunos uma profusão de casos bizarros, como o clássico dilema do vagão desgovernado.
Nele, você é maquinista de um trem sem freios. No fim da linha, há cinco operários que você fatalmente irá atingir e matar. A única opção é desviar para uma bifurcação onde há apenas um trabalhador nos trilhos. Você: a) decide desviar e matar apenas um operário, b) mantém o curso e mata os cinco.
Adotando a lógica utilitarista, a maioria escolhe desviar o curso. Mais eis que o professor acrescenta outra camada ao problema: imagine que você está no alto de uma ponte e pode parar o trem jogando algo pesado nos trilhos. Por coincidência, há um homem obeso ao seu lado.
Mesmo os utilitaristas mais ferrenhos hesitam em empurrar o homem sob essas novas circunstâncias, ainda que, olhando friamente, o caso também envolva o sacrifício de um indivíduo em prol da maioria. Para piorar, Sandel introduz uma nova variável: e se o gordo fosse o responsável pela sabotagem dos freios?
(Não perca o próximo capítulo.)
Sandel pretende colocar à prova nossas convicções diante de casos concretos, ainda que extravagantes, fazendo-nos reformular ou elaborar melhor nossas concepções.
“O objetivo deste curso é despertar a inquietude da razão e ver até onde ela pode nos levar”, diz o professor. “E se essa inquietude permanecer e continuar incomodando nos dias e anos vindouros, então nós, juntos, conseguimos alcançar algo que não é nada pequeno.”
A série é ideal para alternar com “Cavaleiros do Zodíaco”.