O Estado de São Paulo – Caderno 2
16 de fevereiro de 2015
por Vanessa Barbara
Na semana passada, falei das pequenas coisas capazes de nos aproximar de pessoas que condenamos sem conhecer; poderia fazer uma crônica também sobre os policiais que acompanham os protestos e que muitas vezes são vistos como um bloco único formado por insensíveis máquinas de cumprir ordens e bater em manifestantes. Eles também podem gostar de doce de leite, torcer pelo Corinthians, levar o cachorro à missa e ter opinião sobre o aumento da tarifa, a despeito das ordens do governador ou de seus superiores.
Poderia, mas nunca me expressaria tão bem quanto Rubem Braga, que acompanhou os pracinhas na Segunda Guerra e teve seus textos reunidos em “Crônicas da Guerra na Itália”. À crueza dos fatos, o repórter adiciona seu olhar de cronista que busca pontos singelos no cotidiano daqueles homens, detalhes despretensiosos, anedotas, histórias de vida e preocupações. “Encontramos no meio do caminho o general Cordeiro de Farias, que está deixando crescer um bigode, e vamos a um Centro de Tiro”, escreve.
Mesmo reportando uma situação de guerra, e portanto atípica, Braga descreve os aspectos que fazem tais pessoas diferentes de todas as outras e também aqueles que as aproximam de qualquer ser humano, aliado ou inimigo, metido em uma trincheira lamacenta bem longe de casa.
Na história de cada soldado – como aquele que veio de Monte Aprazível e estava terminando o liceu, ou aquele que é filho do proprietário das Perfumarias Carneiro, ou o sargento Domingos Leite que é da rua Goitacazes, 1726 e vai se casar no inverno, ou o outro que quando começa a falar de boi não para mais – também vamos nos tornando seus velhos conhecidos.
Isso pode trazer à tona uma empatia que é tão necessária em tempos de ódio, quando tudo é reportado como uma guerra entre o lado de cá e o lado de lá.
“Há um mundo de coisas que os jornais não dizem”, afirma Braga. São bobagens irrelevantes para a Secretaria da Segurança Pública ou para o chefe de gabinete do prefeito – mas que são essenciais para a maioria de nós. Dados que vão além do “efetivo de 800 policiais” e “44 pessoas detidas”. Quando lemos, por exemplo, sobre o “comandante da operação, tenente-coronel Bexiga”, não sabemos qual o tom da voz dele, se tem senso de humor, se está com os pés doloridos.
Não que isso sirva como justificativa para as ações alheias. É só que, nesse processo de aproximação, podemos nos tornar mais compreensivos e sensíveis a outros pontos de vista.
Um exemplo está na carta de um soldado para a família, tal qual foi descrita por Rubem Braga: o sujeito fez “um enorme lero-lero sentimental de começo a fim, disse que está morrendo de saudades, viver sem ti é uma desgraça, eu não sei como aguento essa separação, é uma agonia medonha, choro pensando em ti, e no fim de tudo isso meteu esse P.S. – ‘manda me contar o resultado do jogo do Bangu’”.