Operação silêncio

Postado em: 16th março 2015 por Vanessa Barbara em Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
16 de março de 2015

por Vanessa Barbara

Frank Serpico foi um policial nova-iorquino que, nos anos 70, denunciou quase que solitariamente uma gigantesca rede de extorsão que envolvia comissários, oficiais e soldados em todos os departamentos da Força Policial, a ponto de praticamente haver se tornado regra. O sistema era “alimentado pela ação da grande maioria dos policiais e protegido pelo código de silêncio daqueles que continuavam honestos”, segundo o relatório final da Comissão Knapp. Entre as atividades cotidianas de inúmeros guardas de Nova York estava o tráfico de heroína, a venda de informações sigilosas, a proteção a traficantes, o encobrimento de crimes, a execução de testemunhas, a delação de infiltrados da própria polícia e a cobrança de favores. A investigação deu início a uma limpeza moral na corporação.

Em troca, Serpico ganhou o ódio de muitos de seus pares, que o consideraram um traidor – exatamente como pode acontecer hoje, quando os que denunciam um desvio de conduta na polícia são tratados como adversários do bem e amigos do Alheio. Meses após depor na Justiça, Serpico participou de uma emboscada a um traficante e foi abandonado na linha de tiro. Foi baleado no rosto e deixado para morrer – os outros policiais nem sequer chamaram a ambulância.

Ele sobreviveu apenas porque um idoso hispânico viu a cena e chamou o socorro.

Hoje Serpico tem 78 anos e ainda traz fragmentos de bala no cérebro. Sua história foi vivida por Al Pacino num excelente drama de 1973 dirigido por Sidney Lumet. Ainda assim, ele continua a receber ameaças de morte de ex-colegas e de policiais na ativa. “A divisão de narcóticos estava podre até a medula; muitos policiais eram pagos pelos traficantes que deveriam prender. Recusei-me a receber propina e testemunhei contra meus colegas. Só que a polícia constitui uma subcultura peculiar dentro da sociedade. Possui um código próprio de conduta, uma atitude ‘nós contra eles’ que é reforçada pelo Muro Azul do Silêncio”, afirma Serpico, referindo-se à cumplicidade por vezes criminosa dos colegas de farda, numa atitude que lembra a omertà dos mafiosos.

Isso ficou claro para Serpico logo de início, quando comunicou o esquema aos superiores e nada foi apurado. Só quando ameaçou revelar o que sabia a terceiros é que foi instaurada uma investigação interna, que, por fim, também se mostrou falha e comprometida. A mudança só ocorreu quando o escândalo saiu no New York Times.

Desde aquela época, diz-se que as críticas à polícia são perigosas porque enfraqueceriam a “imagem” da corporação, fortalecendo o lado dos bandidos. Frank Serpico discorda – segundo ele, a falta de um órgão fiscalizador externo e permanente pode levar a abusos indescritíveis. “Como eu disse à Comissão Knapp 43 anos atrás, precisamos criar uma atmosfera na qual os policiais corruptos temam os policiais honestos, e não o contrário”, disse ele ano passado.