O Estado de S. Paulo – Caderno 2
20 de abril de 2015
por Vanessa Barbara
Estou absolutamente convencida de que existe uma máfia de gatos na minha rua, comandando igualmente humanos e cães com o pulso firme de quem só tem medo de banho. (As cinco tartarugas da área governam a si mesmas desde o tempo dos dinossauros, constituindo, portanto, um estado independente.)
Quando anoitece, o gato branco de codinome Polaco caminha tranquilamente pelo meio da rua, like a boss, enquanto os moradores trancam as portas e rezam baixinho – não tenho dúvidas de que se trata de uma mistura felina de Michael Corleone e Avon Barksdale. Como todos os mafiosos de respeito, ele tem o rabo torto e um tique nervoso que o faz enrolar e desenrolar a ponta da cauda quando sob pressão. Acabo de vê-lo espreitando um dos operários da construção aqui da frente, enovelando a cauda, como que para intimidá-lo.
É evidente que a máfia felina mandaquiense tem relações escusas com o setor imobiliário e as empreiteiras; não é raro que um gato salte o muro para cobrar dívidas impiedosamente. Precisa ver o que fazem com os passarinhos indisciplinados.
E não é só isso: outro dia o Polaco estava – à luz do dia! – sabotando as telecomunicações do bairro. Vi o meliante tentando mascar a antena parabólica da casa da Juliana. Ao ser surpreendido, o arisco capo me lançou um olhar de desdém e continuou mordiscando o que lhe era de direito.
Mas, se me perguntarem, eu não vi coisa alguma.
Também não sei de nada sobre a tarde em que o Caramelo apareceu no meu jardim e ficou na cola de uma borboleta. Trata-se de um legítimo corner cat, ou seja, um gato de baixo status na hierarquia do crime, cuja missão é alertar os chefes da aproximação iminente do homem do biju. Mas às vezes eles se distraem com moscas.
Como todos os novatos, Caramelo é mais propenso a virar informante e passar para o nosso lado; meses atrás, cedeu aos meus afagos e ao suborno de leite que ofereci e, diante do olhar ameaçador do chefão Polaco, dormitou e ronronou em meu colo, numa sessão de coçadinhas que durou até o anoitecer.
Acho que, aos poucos, estamos conseguindo desestruturar essa organização nefasta que torna prisioneiros todos os moradores do meu quarteirão. Costumamos sair de cabeça baixa, andando rápido, tentando não olhar nos olhos de nenhum bichano. Polaco nos proíbe de ir trabalhar quando decide se deitar nos nossos tapetes. Ele tem os olhos azuis cortantes e um semblante malévolo, sobretudo quando interrompem seu cochilo.
Dias depois dessa fatídica tarde em que cooptei o gato laranja, avistei Polaco e Zeca (um felino cinza de raça nobre) rondando o meu jardim, distribuindo inequívocas provas de vilania e poder. Zeca me encarou longamente e se pôs a cavoucar a terra em busca de um tatu-bola. Pouco depois, encontrei pegadas de gato na mesa do escritório. (É sério.)
Aposto que vou acordar, um dia desses, com um cadáver de minhoca na minha cama.