O Estado de S. Paulo – Caderno 2
27 de abril de 2015
por Vanessa Barbara
Não precisam me agradecer, mas estou prestes a revelar, nesta humilde coluna, algo que mudará a vida dos senhores. O leitor que ainda não estiver sentado, faça o favor de puxar uma cadeira e dedicar total atenção à pérola de sabedoria que está por vir. Aí vai:
O segredo da vida é ser muito ruim e extremamente dedicado a algo.
Por exemplo: passar vinte anos treinando voleibol com extrema seriedade, mesmo sabendo que não se tem altura ou aptidão para o esporte. Treinar pesado e disputar cada ponto como valesse vaga para o Mundial, ainda que o nível esteja mais parecido com o de um Campeonato Interescolar de Batata Quente.
Após protagonizar uma situação ridícula, como, por exemplo, acertar uma raquetada na própria testa enquanto joga pingue-pongue, o segredo é esperar que todos em volta parem de rir e afirmar: “É normal entre os atletas de ponta do tênis de mesa, nível olímpico, errar a bolinha e rebater o ar. É, não é? Hugo Hoyama, 1992? Alguém?”
Saber ser ridículo é um dos grandes trunfos de um indivíduo, que fica orgulhoso quando tromba com uma lixeira na rua e pede desculpas, e depois faz questão de relatar o incidente no Facebook. Viver com sabedoria é se desequilibrar de um barco, cair de costas na água e levantar com uma mesura, dizendo: “Obrigado, senhoras e senhores. Obrigado.”
Mas passar vergonha pode acontecer com qualquer um, e aqui estamos falando de procurar ativamente a vergonha e cultivá-la às segundas e quartas, preferencialmente pagando por isso.
Fiz aulas de sapateado por uns dez meses, mas tive de parar depois que o professor titular foi dar uma volta ao mundo e o substituto arrumou outro emprego. Admito que minha turma pode ter tido vasta influência na deserção em massa dos instrutores, que invariavelmente olhavam no espelho, examinavam nossa performance e pensavam: “Bem que minha mãe falou: seja médico, meu filho. Seja advogado”.
Toda semana, o professor passava uma sequência fácil de coreografia, por exemplo: “flap – ball change – heel – toe – heel”, que acabava com “mãos de jazz” (aquele movimento em que o dançarino exibe as duas mãos espalmadas, abanando-as de forma dramática). Vinha um silêncio e ele pedia que repetíssemos. O resultado era sempre parecido com uma manada de búfalos frenéticos girando para o lado errado e terminando em tempos distintos. Afinal, cada aluno tinha um momento íntimo para expressar a sua arte. Só havia uma certeza: “mãos de jazz” era como sempre terminávamos nossas memoráveis performances. (Não há vídeos. Não insistam.)
Na série Bunheads, a professora de sapateado de uma cidadezinha pergunta para uma das alunas há quanto tempo ela faz aulas. A moça não tem certeza, mas calcula que há uns dois ou três anos. “Você não está evoluindo”, exclama a professora. “Eu sei!”, retruca a aluna, visivelmente satisfeita.
“Digo, você é realmente terrível!”
E ela, empolgada: “Não sou?”.