The International New York Times
1 de maio de 2015
by Vanessa Barbara
SÃO PAULO, Brasil — Em março, passei dez dias na cama, basicamente me queixando e ingerindo vastas quantidades de pera – o único alimento que eu conseguia achar remotamente apetecível. Fui um dos cerca de 500 mil brasileiros infectados por dengue nos primeiros três meses de 2015, quase metade deles no estado de São Paulo. Um mosquito chamado Aedes aegypti transmite a doença tropical, que, em casos extremos, pode levar a hemorragia interna, falência de órgãos e morte. Nesses três meses, 132 brasileiros morreram de dengue – mais de um por dia.
Fui provavelmente infectada em casa, a despeito das medidas domésticas de segurança máxima que adotei.
Passo repelente nas pernas. Todas as janelas e portas da casa estão equipadas de telas, mas ainda assim mantenho duas raquetes de mosquito à mão. Elas têm o formato de raquetes de tênis e descarregam um choque elétrico suficiente para matar insetos. Uma delas fica no quarto, onde trabalho, e a outra na sala, onde assisto filmes enquanto rebato mosquitos vigorosamente como por esporte.
Apesar das precauções, os pernilongos continuam me picando sem dó. Essa primeira semana de março não foi diferente das anteriores, passada inteiramente trabalhando em casa e fritando mosquitos.
Então, no domingo, acordei cansada e febril, com uma temperatura de quase 39 graus. Estava exausta e com uma dor de cabeça irritante. Mas nada de dor de garganta, tosse ou substâncias viscosas escorrendo pelo nariz. Então procurei o dr. Google e aprendi que uma febre súbita sem os sintomas típicos de um resfriado é evidência de dengue (ou chikungunya, outra doença transmitida pelo mesmo mosquito listrado).
Lembrei imediatamente de todos os anúncios governamentais na TV e em revistas que orientavam as pessoas a buscar ajuda médica em caso de suspeita de dengue, e achei quase um dever cívico ir até o hospital. Não há cura para a dengue, mas um tratamento precoce pode diminuir o índice de mortalidade para 1%. Além disso, eu estava tomando um anti-inflamatório chamado meloxicam para aliviar uma dor no pescoço e precisava saber, com certeza, se podia continuar com o tratamento. (Todo brasileiro sabe que pacientes com suspeita de dengue não devem tomar aspirina porque isso pode agravar hemorragias.)
Passei mais de três horas na sala de espera de um hospital particular coberto pelo meu plano de saúde antes que o médico pudesse dar uma olhada no meu hemograma. Então ele disse que estava tudo bem, e que exames específicos para dengue só podiam ser feitos seis dias após os primeiros sintomas. “Sim, pode ser dengue”, ele afirmou. “Mas, sinceramente, pode ser qualquer coisa.” Ele disse que eu podia continuar tomando o meloxicam e me mandou pra casa com uma receita de paracetamol para baixar a febre.
Fiquei aliviada, até que recorri de novo ao dr. Google. Aparentemente é possível fazer um exame de sangue para dengue após o primeiro dia de febre, antes que os anticorpos apareçam. O teste que detecta o antígeno NS1 é barato e confiável. Também descobri que não era nada recomendável continuar tomando o meloxicam porque, como a aspirina, ele também podia aumentar o risco de hemorragias; meu ortopedista telefonou no dia seguinte me proibindo de fazê-lo.
Acredito que o médico do hospital não reportou meu caso como dengue, portanto não estou incluída nas estatísticas do Ministério da Saúde. Levei três semanas para confirmar que foi mesmo dengue, após fazer uma sorologia em um laboratório particular que comprovou a presença de anticorpos contra a doença no meu sangue.
A situação é ainda pior no sistema público de saúde. Semanas atrás, um amigo com sintomas de dengue esperou por mais de quatro horas num AMA (Assistência Médica Ambulatorial) em Aricanduva. Devido ao excesso de pacientes, disseram que ele só poderia agendar um hemograma para dali a um ou dois dias, e que os resultados demorariam mais alguns dias para serem processados. Exames de sorologia estavam fora de questão. “Pacientes que chegam depois das 4 da tarde só conseguem marcar para o dia seguinte”, ele me contou. “A médica me aconselhou a voltar ‘caso a dengue seja hemorrágica’.”
A prefeitura de São Paulo está fazendo um esforço para suprir as lacunas. Semanas atrás, ergueu tendas de emergência para tratar pacientes em áreas de alto risco e chegou a pedir ajuda do Exército.
A dengue é endêmica no Brasil, com surtos regulares sobretudo na estação das chuvas, que vai de janeiro a maio. Há quem diga que o principal motivo da epidemia deste ano em São Paulo é a crise hídrica. Uma infraestrutura obsoleta e a falta de investimentos na área transformaram uma simples estiagem em uma grave situação de escassez, e as pessoas se viram forçadas a armazenar água em recipientes abertos, que são os criadouros perfeitos para pernilongos.
Mas a mesma história se repete todo ano, com diferentes desculpas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a incidência de dengue em todo o mundo aumentou trinta vezes nos últimos cinquenta anos. Hoje, mais de 40% da população mundial corre o risco de ser infectada, inclusive em países desenvolvidos. O vírus tem pelo menos quatro subtipos diferentes, ou sorotipos, então mesmo que você já tenha tido dengue uma vez, continua suscetível aos demais tipos. Infecções subsequentes elevam o risco de complicações mais graves. Até o momento, não há vacinas confiáveis contra a doença.
Minha febre persistiu por quase uma semana. Também desenvolvi uma dor de cabeça bem atrás dos olhos – outro sintoma clássico de dengue. Fiquei tonta e muito fraca, tanto que não conseguia nem espremer a pasta de dentes. A doença é também chamada de “febre quebra-ossos”, por causa da forte dor muscular e articular que provoca. Tudo o que eu conseguia fazer era dormir, beber água e comer frutas.
Na sexta-feira à noite, minha febre baixou, bem como a minha pressão arterial. Toda vez que eu me levantava, o mundo girava e eu precisava me sentar – às vezes no corredor ou no chão da cozinha – se não quisesse desmaiar. Também tive erupções de pele nas pernas e braços. Esses sintomas podem indicar a progressão para a dengue hemorrágica, a forma mais grave da doença, com taxas de mortalidade que chegam a 20%.
Mas, desta vez, eu e o dr. Google decidimos esperar, e, com o passar dos dias, fui melhorando. No fim, só o que restou foi uma pequena fraqueza – e mais três outros subtipos de dengue para pegar.
Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do NYT.
Este texto foi publicado em inglês no The International New York Times do dia 1 de maio de 2015. Tradução da autora.