O Estado de São Paulo – Caderno 2
25 de maio de 2015
por Vanessa Barbara
Imaginem os senhores esta plácida cronista numa manhã de verão, percorrendo uma trilha deserta em Ilha Grande. Havia lama no caminho, árvores de fruta-pão e uns passarinhos discretos contra o céu azul quase sem nuvens. Imaginem que a cronista chega ao fim da trilha e encontra o mar, e ao encontrá-lo larga os chinelos na praia e vai boiar.
É então interrompida por um som vindo aparentemente de enormes caixas acústicas celestiais, uma voz retumbante que grita “Arerê, um lobby, um hobby, um love com você”. Uma escuna lotada de turistas havia acabado de ancorar na baía, despejado dezenas de banhistas na água com seus espaguetes coloridos, e por lá ficaria pela próxima hora, ecoando os últimos sucessos de Skank, Banda Eva e Chiclete com Banana.
Não tenho nada contra o Skank nem contra boias em forma de espaguete – pelo contrário, posso até militar em favor da banda ou desses engenhosos flutuadores em polietileno expandido, se um dia for necessário. Não gosto é de ser obrigada a escutar coisas porque alguém assim decidiu – porque alguém se achou no direito de quebrar o silêncio coletivo com um som alto qualquer, seja ele um ruído de motor ou um concerto para violino e orquestra.
Nem os tampões de ouvido mais poderosos têm a capacidade de anular por completo aquilo que considero uma violação de um de nossos direitos básicos: o direito de ficar em paz, a menos que seja uma emergência. A poluição sonora sequestra uma parte da sua mente e a inunda com informações que você nunca pediu; é como um alarme de incêndio do qual não se pode fugir, sem nenhum incêndio por apagar.
Em “Rápido e devagar: Duas formas de pensar”, o psicólogo Daniel Kahneman afirma que, com o tempo, nossa atenção tende a se desviar de situações novas, por mais desagradáveis que sejam, tornando-as mais toleráveis. “As principais exceções são dor crônica, exposição constante a ruído alto e depressão severa”, afirma. “Dor e ruído são biologicamente ajustados como sinais para chamar a atenção, e a depressão envolve um ciclo autorreforçador de pensamentos infelizes. Desse modo não há adaptação para essas condições.”
Um exemplo cada vez mais comum – e torturante – é ser obrigado a permanecer em lugares onde a televisão está ligada. Quase toda a sua atenção se volta para o depoimento sem interesse de uma celebridade num programa dominical, e não há meio de desviá-la. Por mais que se tente prestar atenção em uma conversa de verdade entre os presentes, há sempre um vácuo de distração, um momento em que um dos falantes interrompe a frase e se perde. E a conversa morre.
Fogem à minha compreensão a música alta nas piscinas dos hotéis, o rádio ligado numa sessão de massagem e a televisão como presença confirmada nas confraternizações de família ou consultórios médicos.
(O vizinho decidiu ligar o rádio neste exato ponto do texto e eu não lembro mais como pretendia terminar.)