O Estado de São Paulo – Caderno 2
18 de maio de 2015
por Vanessa Barbara
Desde 15 de outubro do ano passado, logo após o término do primeiro turno das eleições, falta água na minha casa, que fica na zona norte de São Paulo.
No início era assim: todos os dias, por volta das 17h, a torneira secava completamente. Às 4h54 da manhã, a água retornava como que por decreto, causando estrondos apavorantes nos canos da casa e ameaçando estourar tudo o que encontrasse pelo caminho.
A partir de dezembro, houve ocasiões em que a água voltou um pouco antes, lá pelas 4h30, mas passou a sumir cada vez mais cedo. Atualmente, temos água apenas das 5h às 13h, em média. Mas o humor das torneiras é absolutamente imprevisível; uma amiga certa vez acordou às 7 da manhã só para poder lavar o cabelo e deu de cara com um chuveiro seco. Teve de ir para o trabalho sem tomar banho. Por aqui, é comum programar uma lavagem de roupas para o dia tal e dar com os burros n’água, com o perdão da expressão.
Isso acontece ainda que, em janeiro, o governador Geraldo Alckmin tenha declarado que não havia “racionamento no sentido de fechar o sistema e abrir amanhã. Não tem e nem deve ter”. E completou: “Agora, restrição hídrica claro que tem”.
Em fevereiro, o secretário de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo, Benedito Braga, admitiu, em entrevista para O Estado de S. Paulo, que a Sabesp de fato fechava o registro de parte da rede de distribuição. “O sistema de redução de pressão não está disponível em todos os locais. Em alguns lugares, de fato, é preciso haver uma intervenção física, que não é telemetrada”, declarou.
Foi uma confissão isolada em meio a um deserto de negação. A rigor, não há corte de água nem risco de rodízio – tudo não passa de alucinação.
Segundo uma reportagem publicada na revista piauí, a partir de março a Sabesp teria adotado oficialmente um esquema de redução da pressão da água. O professor Rubem Porto, da Escola Politécnica da USP, explicou: “Algumas pessoas, infelizmente, vão ficar sem água, ou porque estão em áreas altas, que a pressão não atinge, ou estão muito no fim da rede de abastecimento, onde a água não chega. Felizmente é pontual”.
É bem pontual, não há dúvida: por volta das 4h52, a água volta aos canos do bairro. Depois vai embora sem se despedir. Uma vez por trimestre, somos premiados com quase um dia inteiro de torneiras funcionais, mas não dá pra saber quando isso acontecerá, nem por quê. Amigos que moram em Itaquera e no Jaçanã vivem se queixando do corte diário cada vez maior; os de Higienópolis nunca ouviram falar do assunto, talvez porque habitem em prédios.
Na véspera de Natal, tivemos um indulto desses, com água jorrando das torneiras ao longo da tarde. Houve quem considerasse um milagre; outros, a prova de que tínhamos um governador cristão.
Eu trocaria a bondade pela transparência.