O Estado de São Paulo – Caderno 2
20 de julho de 2015
por Vanessa Barbara
É sabido que as salas de espera dos consultórios médicos contêm uma grande quantidade de revistas velhas, como uma edição de Ciência Hoje com uma matéria sobre a invenção do isopor e um número especial de Casa e Jardim sem capa. O que não sabíamos é que esse fenômeno está mais ligado ao roubo de exemplares novos do que ao fornecimento proposital de edições antigas, conforme os resultados de um estudo publicado na revista BMJ (antiga British Medical Journal) no fim do ano passado.
Durante um mês, os pesquisadores da Universidade de Auckland monitoraram o paradeiro de 87 revistas na sala de espera de um consultório e verificaram que as primeiras a sumir eram as mais recentes, sobretudo as de fofoca, que evaporavam em questão de dias. O estudo terminou quando praticamente todas as de fofoca desapareceram – novas e velhas. Restaram apenas exemplares de revistas como Time e The Economist. A taxa de sumiço foi de 1,32 revista por dia.
Como em todo bom estudo científico, foi desenvolvido um gráfico com os principais achados estatísticos e houve até uma admissão de conflito de interesses, em que um dos pesquisadores confessou que esperava ganhar uma assinatura vitalícia da The Economist depois que o artigo fosse publicado. É inegável a seriedade com que se conduziu o estudo, intitulado “An exploration of the basis for patient complaints about the oldness of magazines in practice waiting rooms: cohort study” [Uma investigação do fundamento da queixa dos pacientes quanto à decrepitude das revistas nas salas de espera dos consultórios: estudo de coorte”].
Dele se depreende um outro grande segredo da vida: a importância de encarar coisas sérias como se fossem tolas, e as tolas como se fossem sérias. Por nenhum motivo senão o de que é mais divertido.
Na semana passada citei Anne Lamott e seu livro Bird by Bird, que fala sobre o sofrimento da escrita. Em uma passagem, ela diz que o perfeccionismo do escritor se baseia na “crença obsessiva de que se você correr de maneira suficientemente cuidadosa, pisando em cada pedra da forma exata, não terá de morrer”, uma ideia que associa a obra de arte à busca pela imortalidade e que é muito repetida em livros de psicologia como A negação da morte, de Ernest Becker. A autora conclui: “A verdade é que você vai morrer mesmo assim, e que muita gente que não está sequer olhando para os próprios pés vai se sair muito melhor do que você e vai se divertir mais no processo”.
Por isso, se é para ser perfeccionista, o segredo é fazê-lo em situações que dificilmente pediriam extremo zelo, como limpar o umbigo (com cotonete, Higiapele, óleos minerais perfumados) e montar um quebra-cabeça (dividindo a área em regiões temáticas, classificando as peças conforme o formato, a cor e a tonalidade).
Nas outras coisas, mais sérias, recomenda-se agir com a leveza de quem folheia uma edição de Casa e Jardim de 1974.