O Estado de São Paulo – Caderno 2
10 de agosto de 2015
por Vanessa Barbara
Outra confissão: eu sei de cor todos os sambas-enredo das escolas do grupo especial do Carnaval de São Paulo de 1995.
Sim, trata-se de mais uma questão de foro íntimo que é difícil expor assim, abertamente, mas é chegada a hora de ser honesta com os leitores e divulgar os pormenores mais nebulosos da minha biografia.
Nunca gostei de Carnaval nem de samba em especial, mas, por algum motivo, apareceu lá em casa uma fita cassete com os referidos sambas-enredo de 1995, junto com uma fita dos Guns N’ Roses (Use Your Illusion), duas dos Engenheiros do Hawaii (Gessinger, Licks & Maltz e O Papa é Pop) e outra do Biquini Cavadão (Descivilização). Aparentemente era o que tinha para vender num bazar da pechincha. Como pouco havia que fazer naqueles tempos e as tardes tinham a duração de semanas, decidi dar a devida atenção para todas de maneira uniforme. Escutava cada uma das faixas como se fossem grandes enigmas da arte ocidental e, na ânsia de entender o que diziam, transcrevia as letras usando a máquina de escrever – normalmente a parte vermelha da fita, que era pra não gastar a preta.
Nem é preciso dizer que de nada adiantou no caso dos Engenheiros do Hawaii, que continuo sem entender até hoje, mas na época a coisa era ainda mais difícil: “A violência travestida faz seu trottoir”, uma música de mais de seis minutos, era o meu Finnegans Wake. Como não havia ainda o Google ou o Altavista para checar uma letra, deixo para o leitor imaginar o que viravam na minha transcrição versos como: “Na visão da macro-história nada gera um general/ A visão do microscópio é o ópio do trivial”. Só agora, mais de vinte anos depois, é que me dou conta de que entendi errado quase que completamente a letra de “Descivilização”, mas adorava repetir: “Qualquer dia desses ainda pego o meu carro e sumo daqui”.
No caso de bandas estrangeiras, o esforço de transcrição era o mesmo, ainda que eu praticamente não soubesse falar inglês. Não foram poucas as tardes que gastei assistindo a uma fita VHS com o desenho Alladin e tentando transcrever a letra de “A Whole New World” usando um dicionário de bolso.
Minha hipótese é que, naquela época, na falta de internet, cada pessoa no mundo era responsável por saber alguma coisa, e a mim me coube decorar coisas como “Do palco ao asfalto”, o insólito samba-enredo da Camisa Verde e Branco que fala sobre ópera e rima “Puccini” com “sublime”. (Em outro trecho, o cantor diz, por algum motivo: “Eu vou de chinelo novo”, o que sempre me agradou.)
Outra fonte de diversão naqueles tempos: assistir todos os dias ao Disk MTV com o meu irmão e registrar num caderno, na ordem correta, a ficha técnica de todos os videoclipes, como o clássico “Groove Is In The Heart”, da banda Deee-Lite, e “Epic”, do Faith No More.
Achei que tudo isso seria útil um dia – e vejo que, no fundo, eu tinha razão.