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O Estado de São Paulo – Caderno 2
24 de agosto de 2015

por Vanessa Barbara

Há pouco mais de uma semana, no dia 16, estreou na HBO a minissérie “Show Me a Hero”, escrita por David Simon e William F. Zorzi. O título é retirado de uma frase de F. Scott Fitzgerald que diz: “Mostre-me um herói e eu lhe escreverei uma tragédia”.

Nesse excelente drama político, tudo tende à tragédia: no fim da década de 80, Nick Wasicsko se torna prefeito da cidade de Yonkers, em Nova York, e tem de enfrentar a oposição absolutamente raivosa de uma classe média branca que se sente ameaçada por um projeto de construção de habitações populares em bairros nobres.

O caso é real e foi documentado pela então repórter do New York Times, Lisa Belkin. Por determinação da lei, a cidade deveria mitigar a segregação social e racial implantando 200 unidades habitacionais destinadas à população de baixa renda em oito áreas diferentes, todas consideradas de elite. Como se, por um decreto da Justiça, fossem erguidos prédios para os sem-teto em Higienópolis, Jardins e Pinheiros, que passariam a ser bairros também frequentados por “gente diferenciada”. Na época, o juiz federal que emitiu a decisão, Leonard Sand, foi inflexível e estabeleceu pesadas multas à cidade, que vigorariam enquanto a decisão não fosse cumprida.

A série mostra a pressão sofrida pelos congressistas em sessões abertas, nas quais houve farto arremesso de fraldas à tribuna e sérias ameaças de morte. Logo de início, veem-se cenas de Yonkers, com seus subúrbios idílicos de cercas imaculadas e crianças brancas brincando nas ruas, alternadas por instantâneos de áreas degradadas e violentas onde moram negros e pobres – uma canção de Bruce Springsteen, “Gave It a Name”, é a moldura precisa dessa introdução.

David Simon, criador de “The Wire” e “Treme”, diz que a minissérie irá mostrar uma cidade hipersegregada e paralisada pelo medo (da integração) e pelo dinheiro (com a ameaça de desvalorização dos imóveis). Ele faz uma alegoria da recusa em compartilhar e do colapso da conduta civilizada, conforme a raiva e a histeria destroçam uma comunidade. Os argumentos da oposição, que defende a todo custo a manutenção do estado das coisas, são conhecidos: uma senhora declara que a lei não garante que alguém possa viver numa vizinhança que não tem condições de bancar e sugere, por fim, que o juiz deveria construir esse tipo de habitação perto da casa dele.

Outro cidadão diz que não é preconceituoso, apenas se recusa a apoiar subsídios para moradia em áreas às quais outros residentes só tiveram acesso depois de trabalhar muito. “Qualquer um é bem-vindo a morar no meu bairro se tiver dinheiro”, declara. Palitando os dentes, um congressista concorda: “Se eles têm como comprar uma casa, ótimo. Se não têm…”.

Depois de testemunhar uma manifestação mais extremada, o próprio protagonista admite, em voz baixa: “Acho que essa questão traz o pior das pessoas”.