O Estado de São Paulo – Caderno 2
31 de agosto de 2015
por Vanessa Barbara
Tempos atrás, escrevi um artigo sobre a agência de segurança americana, a NSA, para o New York Times (“Have a Good Day, N.S.A.”). Foi na época em que se descobriu que o governo americano estava espionando cidadãos estrangeiros, inclusive a presidente do Brasil. Entreguei o texto à tarde e passei horas esperando a resposta, mesmo porque eu estava de férias em Cingapura e o fuso horário de lá fica doze horas à frente do americano.
Nesse período de espera, um cenário de desgraças foi se desenrolando na minha mente. Primeiro, a editora leria o texto e ficaria ultrajada. Não só pediria a minha demissão sumária como acionaria as autoridades, que emitiriam um alerta a todas as embaixadas me classificando como ameaça absoluta à segurança do planeta – procurada viva ou morta. Enquanto isso, a Polícia Federal invadiria a minha casa no Brasil, possivelmente confiscando meus répteis e detendo meus pais para interrogatório. (A tartaruga Napoleão não sobreviveria ao estresse e faleceria.) A despeito das providências, Obama acabaria capitulando à pressão popular e declararia guerra ao Brasil, dando a entender, em uma coletiva de imprensa, que não descartava a possibilidade de lançar a bomba H no Mandaqui.
Minha editora acabou respondendo de madrugada dizendo que o texto estava bom e me convidando para ser colunista do jornal, para o qual continuo escrevendo há dois anos, de modo que a certeza da catástrofe iminente se repete agora em periodicidade mensal.
Quem sofre de ansiedade conhece bem essa sensação de que as coisas não só vão dar errado, mas vão dar muito errado. Na teoria cognitivo-comportamental, o exercício de “catastrofização” é inclusive usado como forma de terapia: o paciente imagina o pior cenário possível e vai até o fim nessa idealização da tragédia. É uma forma de, primeiro, conscientizar-se de que a probabilidade de acontecer o pior é mínima e que os seus temores são ridículos. Segundo, de acostumar-se com imprevistos e perceber que o pior nem é tão ruim assim. Afinal, é possível viver após cair em desgraça e virar meme de internet, ainda que sua tartaruga possa perecer no processo.
É um exercício morbidamente divertido que costumo praticar sempre que fico nervosa por antecipação. Outro dia, um projeto meu parecia tão fadado ao fracasso que fatalmente arruinaria todos os avanços do feminismo nos últimos cem anos, incluindo aí o direito ao voto.
Mês passado, a escritora Hallie Cantor escreveu na New Yorker um texto com o título: “Tudo O Que Tenho Medo Que Aconteça Se Eu Convidar Algum Novo Amigo Para Tomar Um Café”. Um dos itens: “Eu vou me apaixonar e me casar com essa pessoa e teremos três filhos, mas ambos iremos continuar trabalhando, então não daremos muita atenção a eles e haverá tensão em casa, e anos depois uma das crianças vai matar a outra e eu ficarei repleta de luto e culpa e me afogarei no lago da nossa casa de verão.”