O Estado de São Paulo – Caderno 2
30 de novembro de 2015
por Vanessa Barbara
Então eu encontrei um lugar para morar, o que significa que em breve deixarei o glorioso bairro do Mandaqui e me instalarei em Santana, onde existe um castelo do século XIX e um museu da odontologia, e onde o padre Landell de Moura realizou a primeira transmissão de voz via rádio em 1899.
O bairro é considerado pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo como uma zona de valor C, ao lado de Barra Funda, Jabaquara, Tatuapé e Santa Cecília, entre outros. Em 2008, foi considerado pelo Valor Econômico o reduto paulistano do moralismo, e foi com certa apreensão que me dei conta de que serei uma legítima “senhora de Santana”.
Só que encontrar um apartamento é apenas o primeiro passo de uma saga burocrática sem precedentes que até eu, notória admiradora de documentos em três vias e formulários coloridos, e cujo sonho de infância era ser secretária para poder grampear e arquivar papéis de diferentes gramaturas, julguei talvez ser demasiado excessiva.
Primeiro, a imobiliária pediu que o locatário apresentasse uma comprovação de renda de quatro vezes o valor do aluguel mais encargos. Supondo que o aluguel seja de 1.800 reais, mais 600 do condomínio e 140 de IPTU, o cidadão teria de ganhar 10.160 reais por mês.
Nem é preciso dizer que, sozinha, não ganho nem sombra disso. (Se o meu caso já é desesperador e trabalho para dois jornais de grande estirpe, fico pensando naquele sujeito que tem família e ganha um salário mínimo. Será mesmo que basta o pobre se esforçar para conseguir um lugar para morar?)
Na sequência veio o drama do fiador, que precisava possuir um imóvel na capital com área construída superior a 80 metros quadrados, valor venal de mais de 40 mil reais e adquirido há mais de um ano. A casa do nosso fiador tem 79 metros quadrados e quase hiperventilei ao descobrir esse detalhe.
Tive de reconhecer firma de quatro assinaturas em duas vias do contrato (66 reais), tirar uma certidão atualizada do imóvel do fiador (60 reais), enviar três holerites, declaração do imposto de renda, comprovante de endereço, capa do carnê de IPTU, o telefone do Ubiratan Brasil, três últimos recibos de pagamento de aluguel, e por pouco não pediram também meu boletim da quarta série. Mandei referências pessoais, profissionais e tive de checar três nomes no Serasa (105 reais).
Então a imobiliária insistiu que eu me casasse. Pediu reiteradamente uma certidão de casamento e tive de explicar para a corretora que meu estado civil não era da conta de ninguém.
Por fim, atentaram para uma cláusula que dizia ser “proibida a permanência de animais de qualquer porte ou espécie nas dependências do imóvel, mesmo que permitido pelo regulamento do condomínio”.
Felizmente, aceitaram inserir o parágrafo: “Excepcionalmente, fica autorizada a permanência de tartarugas.”