O Estado de São Paulo – Caderno 2
23 de janeiro de 2016
por Vanessa Barbara
Sempre que vou a um concerto, tenho pena do homem do prato. O sujeito fica sentado com cara de paisagem durante uns vinte minutos; aí se levanta, ajeitando o fraque, e apanha do suporte um par de pratos de metal. Se posiciona. Espera mais um pouco. Finalmente, ergue o instrumento e, com ar solene, produz um “PIM” agudo. Volta a se sentar. Segue nova espera, durante a qual ele mantém um semblante imutável e um tanto tristonho.
Na Sinfonia nº 7 de Bruckner, com duração de mais de uma hora, o cara do prato toca apenas uma nota. Ela surge no segundo movimento, lá pelos 35 minutos, quando também ocorre a única participação do tocador de triângulo – para azar deste, pois seu pitoresco instrumento acaba sendo abafado pela pratada. Depois disso, ambos os músicos se sentam e passam o resto da sinfonia acompanhando a partitura com ar vazio.
Outra peça de uma nota só para o sofrido tocador de címbalos é a Sinfonia nº 9 de Dvorák, na qual o som do prato é tão fraco que mais parece um espirro. Ainda assim, conta-se que, em certa apresentação, o músico se distraiu e perdeu a vez, e que o maestro Hans Richter nunca lhe perdoaria. Anos depois, quando foi conduzir novamente a peça, Richter chegou a perguntar ao primeiro violino: “Aquele tocador de pratos, ele já está morto?”.
Como se não bastasse, discute-se a melhor forma de tocar essa nota única: com um golpe seco? Ou um zischen? E quanto à extensão: deve haver contato prolongado entre os pratos? E mezzo forte é mesmo a dinâmica apropriada?
Ou seja, um tocador de pratos não pode sofrer de ansiedade antecipatória, nem de perfeccionismo. Além de escolher o peso e o tamanho do prato, o músico precisa optar pela técnica da batida: pode deixar o som ressoar até sumir ou abafá-lo logo após o choque. Há também variações de ângulo e de força.
O bater dos pratos pode ser questão de vida ou morte, como sabem aqueles que assistiram ao filme O Homem que Sabia Demais, de Alfred Hitchcock. Também é um ofício que deve ser difícil de praticar, conforme mostrado num episódio de I Love Lucy no qual um percussionista tenta ensaiar sua parte na suíte O Quebra-Nozes, de Tchaikovsky. Ele dá alguns golpes no tímpano, aguarda em silêncio por uns segundos, bate os pratos menores, espera mais um pouco. Virando a página da partitura, antecipa mentalmente a entrada dos instrumentos de sopro, depois dá a pratada final. (E não fica satisfeito com o resultado.)
Por outro lado, na Sinfonia nº 4 de Tchaikovsky, o tocador de pratos espera pacientemente até o quarto movimento, quando então pode enfiar o pé na jaca: a partitura prevê exatas 193 pratadas, algumas muito rápidas e outras em total desacordo com o resto da orquestra. É uma das peças mais difíceis para o profissional do ramo.
Com isso em mente, deixo aqui a minha mensagem ao homem do prato: sua hora vai chegar, e será retumbante. Aguenta aí.