O Estado de São Paulo – Caderno 2
11 de abril de 2016
por Vanessa Barbara
Há exatamente um mês, resgatei uma cadela perdida numa avenida perto de casa. Desde então, já providenciei banho, consulta veterinária, castração e holísticas massagens de pança, sem esquecer dos exploratórios passeios diários em que aproveitamos para conhecer juntas o novo bairro, cheirar todas as árvores, perseguir besouros, encarar pessoas de óculos, batizar os postes com xixi (ela) e conversar com lojistas dos arredores (eu).
Não posso falar por ela, mas, de minha parte, nunca fui tão extrovertida, parando a cada quarteirão para trocar impressões com outros donos de cães e apresentando orgulhosamente a amiga felpuda para a sociedade. Minha popularidade cresceu muito, e hoje já cumprimento os passantes feito uma deputada. Nessas ocasiões, aproveito para contar o pouco que sei da história da cachorra, espalhando a notícia o tanto quanto possível.
Ainda que provavelmente ela tenha sido abandonada, continuamos com as buscas pelo dono, movidos por um pendor investigativo que não faria feio numa série policial de estirpe. Tentamos, por exemplo, descobrir o nome do animal – mas lá se foi o alfabeto inteiro sem que ela demonstrasse qualquer menção de atender aos epítetos de Pretinha, Princesa, Lulu, Hebe, Pipoca, Panqueca e Pudim. Tentamos até Milady, Maria das Dores e Dilma, um nome que seria apropriado caso um dia ela subisse no sofá, quando então poderíamos gritar: “Fora, Dilma!”.
No início, deixávamos que ela nos guiasse, na esperança de que pudesse reconhecer o caminho de volta para casa, o que não ocorreu. Deixo aqui o meu pedido público de desculpas a todos os vigilantes de estacionamento que foram surpreendidos por uma cadela cheirando a área, num furor olfativo totalmente desgovernado. Percebi que ela não faz ideia da direção para onde vai, sendo seduzida sobretudo pelo chorume de sacos de lixo e por outros cães.
Também procuramos identificar seus hábitos e adivinhar de onde veio. Por exemplo: a cachorra adora perseguir pessoas com sacolas de supermercado. Dá atenção especial a crianças e idosos; acorda bem cedo e aprecia o aroma de feijão. Odeia barulho de aspirador de pó e ficou sobressaltada quando passei por ela com uma caixa de papelão.
Donde: seus donos originais eram matutinos, gostavam de ir ao supermercado e não davam a mínima para o meio ambiente, pois sempre saíam de lá com uma profusão de sacolinhas de plástico. Criavam um neto pequeno que tinha anemia, daí o cheiro constante de feijão. Limpavam a casa de raro em raro, e por isso a cachorra não conseguiu se acostumar com o barulho do aspirador de pó. Ao decidirem abandonar a quadrúpede, colocaram-na numa caixa de papelão e a jogaram na rua.
Eu queria poder terminar esta crônica dizendo: a partir do perfil que traçamos anteriormente, conclui-se que quem abandonou a pequena cadela foi ninguém menos do que Donald Trump.
Mas acho que preciso de mais dados.