O Estado de São Paulo – Caderno 2
18 de abril de 2016
por Vanessa Barbara
Como todos sabem, tive uma educação clássica, quase vitoriana. Cresci em um ambiente sóbrio que valorizava manifestações culturais de alto nível como hinos de times de futebol e músicas do Biquíni Cavadão, além de me cercar de amigos doutos que conseguiam soprar bolhinhas de saliva e encostar a língua no nariz. Ao longo da vida, dediquei-me a adquirir habilidades sólidas, como manusear um mimeógrafo, tirar água do ouvido e assar uma batata na terra.
Me arrisco a dizer que essa educação autodidata e comprometida com os grandes temas do engrandecimento humano se estende até hoje; quando não sei alguma coisa, vou ao Google. Em questões práticas, consulto o YouTube.
É possível aprender todo tipo de ofício navegando no site e assistindo a vídeos de diversas naturezas, desde os francamente amadores às superproduções hollywoodianas. Outro dia, descobri o tutorial de um pomposo veterinário português ensinando uma técnica para dar comprimidos a cães, no caso um garboso pastor alemão. Já um completo anônimo me mostrou, em um vídeo de produção duvidosa, como dar remédio em gotas a animais em recuperação. Também aprendi a apalpar tartarugas aquáticas para ver se estão com ovos, fazer uma cópia de chave usando um cartão de plástico, consertar o trackpad de um notebook, pronunciar Eyjafjallajökull, utilizar um coletor menstrual, dobrar lençóis de elástico, tirar pelos de um tapete, manipular faixas de áudio no Final Cut Express e consertar um zíper que saiu do trilho. (Só não tentei ainda cuspir fogo usando maisena. Aguardem as próximas crônicas.)
Uma das coisas mais dignas que se pode fazer com a ajuda do YouTube é aprender coreografias, como o shim sham, a Macarena, o clipe de Thriller (Michael Jackson) e uma cena de dança do filme Bande à Part, de Jean-Luc Goddard. É por meio de infinitas repetições que decoramos os passos básicos de Tá tranquilo, tá favorável (MC Bin Laden), Shake a Tail Feather (The Blues Brothers), Do You Love Me? (Contours) e a dança sincronizada que a banda OK Go faz nas esteiras ergométricas em Here It Goes Again. A real utilidade? Brilhar muito nas festas de família e puxar assunto na fila do Bilhete Único.
Minha mãe também é uma adepta ferrenha da educação pelo YouTube: aprendeu a melhor forma de passar massa corrida na parede, lustrar um fogão, limpar uma impressora, consertar uma bacia de privada, fazer primeiros-socorros em ferimentos, selar um cavalo e limpar um teclado de computador.
Aos 6 anos de idade, meu sobrinho já dá mostras de seguir o exemplo familiar: ele aprendeu a abrir uns trinta tipos de Kinder Ovo apenas assistindo a infindáveis e soníferos vídeos de pessoas se dedicando à tarefa.
De quebra, aprendemos a fazê-lo cair no sono quando tudo mais falhou.