Christina Hagerfors

Christina Hagerfors

The New York Times
1 de maio de 2016

by Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brasil — “Perderam em 64, perderam agora em 2016”, disse Jair Bolsonaro, um deputado conservador, durante a sessão do dia 17 de abril em que o Congresso aprovou o prosseguimento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Com essas palavras, ele postou-se ao lado dos “vencedores” de um golpe militar que derrubou um governo democraticamente eleito em 1964 e abriu caminho para 21 anos de uma brutal ditadura militar.

Bolsonaro, um ex-paraquedista do Exército e possível candidato à presidência, dedicou seu voto à memória do Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI, órgão de inteligência responsável por reprimir os críticos do regime militar. O deputado enalteceu Ustra como “o pavor de Dilma Rousseff”.

Ele está certo. Durante três anos, no início da década de 70, a presidente, ex-guerrilheira marxista, sofreu choques elétricos em diferentes partes do corpo e foi suspensa num pau-de-arara (quando a vítima fica de ponta-cabeça, presa pelos pulsos e tornozelos). Ela teve hemorragias internas e um dos dentes arrancados após tomar um soco de um interrogador.

Dilma foi apenas uma das milhares de pessoas torturadas pelo regime militar. A ditadura foi responsável por incontáveis violações de direitos humanos, incluindo prisões arbitrárias, violência sexual e ocultação de cadáveres. De acordo com um relatório da Comissão Nacional da Verdade, pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram nesse período: jornalistas, estudantes, professores, agricultores, sindicalistas, advogados, ex-políticos da oposição e até uma dona de casa, um diplomata e três padres católicos.

A despeito de tantas atrocidades bem documentadas, mais de 30 anos após o fim do regime militar, algumas pessoas no Brasil parecem confortáveis em falar bem daquela época. No ano passado, durante um protesto pró-impeachment, senhoras seguravam cartazes com os dizeres: “Por que não mataram todos em 1964?” e “Dilma, pena que não te enforcaram no DOI-CODI”. Em jantares de família e em táxis, é possível ouvir conversas de como as coisas eram melhores quando os generais estavam no poder.

A classe política brasileira foi pega em um enorme escândalo de corrupção. O governo, liderado pelo esquerdista Partido dos Trabalhadores, é impopular, e a destituição de Dilma parece iminente. Nessas condições, é ainda mais fácil advogar em nome da extrema direita, elogiando torturadores condenados como se eles tivessem salvado o país de um horror muito pior.

Bolsonaro, que representa o estado do Rio de Janeiro, é o rosto mais conhecido desse movimento. Ele defende o retorno ao regime militar há mais de 20 anos, mas ultimamente sua mensagem está encontrando nova ressonância. Em 2014, foi reeleito com sua maior margem de votos, e é atualmente o candidato presidencial preferido dos mais ricos para as eleições de 2018, com 15 a 23% de intenções de voto nas pesquisas mais recentes. Mas ele não está sozinho.

Junto a outros políticos conservadores, Bolsonaro pertence à poderosa bancada BBB — abreviação para “Bíblia, boi e bala”, já que eles representam os interesses das igrejas evangélicas, do agronegócio e das forças de segurança. Nem todos os membros da bancada são saudosos da época do regime militar — pelo menos não abertamente —, mas parecem preferir uma ditadura de direita a um governo democrático liderado pela esquerda. Um certo deputado inclusive usa farda para ir trabalhar e se refere ao golpe militar como “revolução democrática”. 

A nostalgia do autoritarismo parece ter virado tendência. Bolsonaro diz que o que os brasileiros mais sentem falta é dos valores morais dos militares: “Tinha vergonha na cara, respeito à família. Hoje é essa baixaria”, declarou em uma entrevista para um site, mencionando especificamente a discussão sobre a legalização da maconha como um dos muitos fracassos morais do Brasil atual.

De acordo com uma pesquisa de 2014, 51% dos brasileiros acham que as ruas eram mais seguras durante o regime militar. “Que época maravilhosa, você podia ir para a rua com segurança, a tua família era respeitada”, afirmou Bolsonaro em uma entrevista para um programa de TV. (Digo que isso só era verdade se você ou sua família não fossem classificados pelo governo como “subversivos”, “terroristas” ou “inimigos do Estado”, o que podia ser qualquer um que ousasse falar contra o regime ou mesmo uma mãe perguntando sobre sua filha assassinada.)

Há também uma impressão geral de que a corrupção, que está destruindo o governo atual, não existia naquela época. Isso não é verdade, claro. Sabe-se hoje que durante o regime militar houve casos de delegados ligados a traficantes e governadores que recebiam propina, entre outros exemplos de corrupção. O que não existia naquela época era a liberdade de expressão e uma imprensa livre para denunciar os desmandos do governo.

Para Bolsonaro, entregar a liberdade dos brasileiros é um preço muito pequeno para que o professor seja “respeitado na sala de aula” e que você possa comprar seu revólver “inclusive na Mesbla”.

Mas talvez quando Bolsonaro e seus seguidores se põem a exaltar os valores da família, o porte de armas e o respeito aos professores, eles estejam sentindo falta de outra coisa: de uma época em que as elites conservadoras encontravam poucos obstáculos, quando os menos privilegiados — os pobres e as minorias — não podiam fazer nada além de seguir ordens.

Nas últimas décadas, e sobretudo desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder, há treze anos, essa realidade mudou, ainda que de forma incompleta. Agora a democracia significa que todos os cidadãos têm o mesmo valor e todos merecem ter voz. Talvez toda essa nostalgia pela ditadura militar seja sobre manter as pessoas nos seus lugares.


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês no The International New York Times do dia 2 de maio de 2016. Tradução da autora.