O Estado de São Paulo – Caderno 2
20 de junho de 2016
por Vanessa Barbara
No momento em que escrevo, já são seis moradores de rua mortos em São Paulo, possivelmente de frio. Numa semana em que os termômetros chegaram a zero grau, os sem-teto continuam a ter seus pertences roubados pela Guarda Civil Metropolitana; em entrevista ao Estado, o comandante da GCM afirmou que a corporação confisca colchões e papelões porque existe “uma demanda de reclamações de muitos cidadãos, que dizem que, muitas vezes, têm de andar no leito carroçável (a rua) porque têm dificuldade de caminhar pela calçada.”
Nos últimos anos, houve incontáveis relatos de que a GCM leva também roupas, cobertores, documentos e até remédios. Um sem-teto com quem conversei disse que é normal ser agredido pelos guardas e que uma vez lhe roubaram o sapato, deixando-o descalço. Outros perdem seu único meio de subsistência: a carroça para recolher recicláveis. Quando vão tentar recuperá-la em algum depósito da prefeitura, recebem a notícia de que o material foi destruído.
Não é por gosto que ficam ao relento, em barracas improvisadas ou debaixo de viadutos. Por viverem de serviços precários, é impossível alugarem algo.
De acordo com o censo da prefeitura, existem 15.905 pessoas nessa situação e 9 mil vagas para pernoite. Na periferia da Zona Norte, por exemplo, só existe o Centro de Acolhida, no Parque Edu Chaves, com 100 vagas regulares e 40 extras em dias frios; na noite em que telefonei, todas já haviam sido preenchidas. Nos últimos anos, cinco espaços de convivência (tendas) foram fechados.
Além da escassez de albergues em diferentes pontos da cidade, é consenso entre o povo de rua que os espaços estão em condições precárias. Em dezembro de 2013, quatro sem-teto foram presos por protestar contra a falta de higiene e água e por maus tratos. Muitos reclamam de roubo.
Até o fechamento deste texto, o prefeito Haddad só se manifestou sobre as mortes para dizer que, ao recolher os colchões, estaria tentando impedir a “refavelização” das praças.
Mas, como disse o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, “o critério do bem é quem sofre, e não eu”. Na rua moram deficientes mentais, travestis, indígenas, imigrantes, ex-presidiários e dependentes de drogas, vistos como lixo a ser varrido. Em entrevista para a TV Folha, o padre declarou que “a população de rua é uma síntese do que a cidade não quer. Aqueles que ninguém quer são os nossos”.
Um dos projetos religiosos é a Missão Belém, hoje com 152 abrigos no Brasil. Só no Centro de Triagem Guadalupe (rua Doutor Clementino, 608, Belém) são servidas 800 refeições por dia. A conta de água chega a 12 mil por mês. A Missão é mantida apenas por doações.
Enquanto a prefeitura zela pelo senso estético das praças, outros acolhem o problema. Quem administra a Guadalupe é um ex-dependente de crack que chama os outros moradores em situação de rua de “irmãos”.