O Estado de São Paulo – Caderno 2
4 de julho de 2016
por Vanessa Barbara
Meu pai, de 67 anos, gosta de ler os comentários às minhas crônicas no site do jornal. Ele se refere ao coletivo de leitores como “o pessoal” ou “a turma”, por exemplo: “O pessoal não gostou do texto esta semana” ou “A turma achou muito fraco”.
Esta crônica é um atestado da minha vulnerabilidade perante a turma, que às vezes parece esquecer que existe uma pessoa de verdade por trás dessas letras e fala coisas que jamais diria na vida real, caso estivesse olhando para mim.
Críticas são bem-vindas, sobretudo quando se referem ao conteúdo do texto. Algumas vão um pouco longe demais, com os autores fazendo verdadeiras análises literárias: “Quando você escreve sobre nabos não se sai tão bem, limite-se a temas mais cítricos”, ou: “A colunista não anda numa boa fase. Essa crônica de hoje é o cúmulo da bobagem”.
Duro, porém necessário.
Contudo, a coisa às vezes pode descambar. “Perca tempo com coisas mais úteis”, diz um leitor. “Depois de tantas postagens medíocres, a cara postadora fez bem em colocar algo insosso e aguado”, analisa outro. “Quanta bobagem em espaço nobre!”, desabafa um terceiro, concordando com uma moça que cravou: “Texto piegas e medíocre”.
Num artigo para o Estado, o psiquiatra Daniel Martins de Barros escreveu que na internet o exercício da empatia fica prejudicado, fomentando atitudes de desprezo. E quando não temos freios sociais, como o olhar alheio, podemos funcionar como psicopatas.
“Você é simplesmente ridícula”, escreve um leitor. “Tenho pena de uma pessoa tão vazia quanto você”, vocifera outro, pedindo a minha demissão.
Algumas ofensas até que me divertem, como a do sujeito que ponderou: “Esperar o que de quem só tira o pijama para colocar outro”. Ou então: “Vai regar umas hortaliças, filha”. E a minha preferida, que foi recebida com veementes protestos da minha mãe: “Pelo seu artigo de hoje, dá pra notar o quanto você comeu de merda quando criança”.
Quando escrevo sobre política ou direitos humanos, a maioria dos comentários contrários não traz argumentos, apenas insultos. Boa parte só diz coisas como: “Tá com pena? Leva para casa” ou “Não gosta da polícia, liga para o Batman”, o que não acrescenta nada à discussão. Uma ou outra vez respondi respeitosamente tentando explicar melhor minha posição, e o leitor confessou que leu rápido o texto ou nem passou do título. Quando erro, peço desculpas.
“Lixo de pessoa”, “medíocre”, “cretina”, “ralé” e “véia” são os xingamentos mais leves. Muitos me mandam tomar no c… e usam um palavreado de fazer corar a Dercy Gonçalves. Já recebi ameaças de morte e teve um cidadão que escreveu: “Jornalistazinha de meia tigela defensora de vagabundinho… Torcemos para que seja você ou alguém da sua família assaltada e morta por um desses vadios que tu defende [sic], jornalista fracassada… Torcemos e há de acontecer.”
Meu pai, assustado, apenas diria: “É, a turma acho que não gostou”.