O Estado de São Paulo – Especial Olimpíada
12 de agosto de 2016
por Vanessa Barbara
Em todas as partidas de vôlei do Brasil, a história se repete: o adversário se posiciona para o saque e ouve uma retumbante vaia. Às vezes, um torcedor grita “vai errar” e entra em êxtase caso a bola realmente fique na rede, como se berrar da arquibancada fosse um tocante mérito esportivo. “Chupa!” é outro grito comum, e muitos se congratulam pelo que me parece um espírito de porco patriótico.
Ensandecida, a torcida do time da casa é capaz de comemorar caso o atleta em questão tropece nos próprios cadarços, tenha um ataque nervoso ou porventura sofra de morte súbita. Considera válido exercer “pressão” para desequilibrar o rival. É uma forma de enxergar o papel da torcida na competição esportiva, e há quem defenda o apupo patriótico com fervor.
Eu jamais vou entender essa necessidade de diminuir a performance do outro para poder ganhar – é como se a torcida achasse aceitável fazer de tudo para atrapalhar o desempenho alheio, como se não confiasse na habilidade do próprio time ou como se vencer fosse um objetivo a ser atingido a qualquer custo. (Penso na lógica dos torcedores que dizem que o importante é ganhar, mesmo com um gol roubado.)
Peço perdão pelo kantismo ferrenho, mas toda vez que a torcida brasileira vaia o adversário – e numa Olimpíada na qual somos os anfitriões –, um dos anéis olímpicos desbota de vergonha. Vaiar o rival simplesmente pela sua presença é tropeçar no espírito esportivo e mostrar que não estamos interessados em competir de forma limpa, encarando um adversário em sua melhor forma e talvez até perdendo para ele. Queremos humilhação, “chupa gringo” e ufanismo. Queremos é rebaixar os argentinos, inclusive na hora do hino.
Esta semana, em Copacabana, durante uma partida de vôlei de praia do Brasil contra a República Tcheca, o locutor pediu pelo menos duas vezes que o público não vaiasse as adversárias, mas foi em vão. Certos torcedores, feito crianças mimadas, redobraram os apupos. Uma moça ao meu lado comentou: “Não tem jeito, o pessoal vaia mesmo. Mas é bom, porque aí eles ficam nervosos e erram”. Penso em Michael Phelps sendo recebido com tomates e Usain Bolt se protegendo de uma chuva de latas de cerveja. Para alguns, o mais importante não é presenciar um jogo bonito, mas dar um espetáculo de humilhação sonora.
“Eu jogo há dez anos e nunca vivi isso”, declarou à imprensa uma das jogadoras tchecas. “Vocês chamam isso de patriotismo? Acho que não é nada pessoal contra nós, eles só não sabem o limite entre o que é apropriado para o momento e o que não é. Querem apoiar tanto o time deles que não percebem que também somos seres humanos”, declarou.
A vaia brasileira não ocorre apenas nos esportes coletivos, mas em modalidades como natação, ginástica, esgrima e até no tênis de mesa. Segundo o Portal Uol, o sérvio Aleksandar Karakasevic fez uma reclamação formal à federação internacional da modalidade. Alegou que os apupos estavam atrapalhando sua concentração no saque, e que tênis de mesa não era futebol. A resposta de um dos dirigentes: “Não estamos jogando dentro de uma igreja”.
O hábito de vaiar o oponente não é exclusividade nossa, tendo sido registrado também na Olimpíada de Pequim, quando a imprensa local chegou a pedir que os chineses respeitassem os atletas visitantes. Mas, segundo a BBC, os Jogos do Rio estão particularmente barulhentos. Esta semana, vários órgãos internacionais como a Reuters e a CNN fizeram matérias a respeito. Para a revista Time, os brasileiros estão tentando perturbar os oponentes feito “garotos universitários vaiando um arremesso de basquete” porque estão desesperados por medalhas. Alguns jornais citam a lamentável vaia que o tenista alemão Dustin Brown levou ao cair e torcer o tornozelo durante uma partida contra um brasileiro.
Estranho comportamento para um anfitrião que, até agora, fez o que podia e o que não podia para agradar as visitas.