O Estado de São Paulo – Caderno 2
29 de agosto de 2016
por Vanessa Barbara
No dia 13 de junho de 2013, o fotógrafo Sérgio Andrade da Silva perdeu um olho. Ele cobria uma manifestação do Movimento Passe Livre na esquina da rua da Consolação com a Maria Antônia quando foi atingido no rosto por uma bala de borracha disparada pela Polícia Militar. Seguiu a pé, sangrando, para o Hospital Nove de Julho, de onde foi transferido para o Hospital de Olhos Paulista. Os médicos não conseguiram recuperar sua visão, que foi comprometida no momento do impacto.
Passados três anos, o juiz responsável pelo caso, da 10a. Vara da Fazenda Pública, julgou improcedente o pedido de indenização por danos morais e materiais. Na sua interpretação, Sérgio seria o único culpado pela violência sofrida. Segundo o juiz, ao se posicionar entre os manifestantes e a polícia, o fotógrafo “colocou-se em situação de risco, assumindo, com isso, as possíveis consequências do que pudesse acontecer”.
Algumas informações relevantes: em entrevista para o jornalista Tadeu Breda, autor do livro Memória Ocular (ed. Elefante), o fotógrafo declarou: “Tenho um metro e oitenta de altura. Para me atingir no olho, ainda que não tenha mirado em mim, o policial estava com a arma apontada para a cabeça das pessoas. Isso é inaceitável. Ele atirou para machucar”. As queixas de Sérgio são corroboradas pela fabricante da munição, Condor Tecnologias Não-Letais, que disse em nota para o jornalista que “as balas de borracha devem ser preferencialmente disparadas da cintura para baixo, nunca contra a cabeça e o pescoço. Os manuais de instrução e todos os treinamentos dão essa orientação, que é universal”. Além disso, segundo um manual da Escola Superior de Sargentos da PMSP, “o disparo de elastômero deve ser dirigido contra um oponente certo e determinado, que esteja oferecendo resistência ativa”.
Naquele mesmo dia, a repórter da TV Folha Giuliana Vallone também foi atingida no rosto por um projétil disparado pela PM, mas sua visão foi preservada, provavelmente porque o impacto foi amortecido pelos óculos de grau. Segundo depoimento da jornalista, o policial mirou nela e atirou, ainda que estivesse identificada com um crachá de imprensa. Na época, o secretário de Segurança declarou: “Eu me solidarizo e lamento o episódio. Quero dizer que vamos apurar o ocorrido. Se ficar comprovado, vai haver responsabilização”.
Naquele dia, a corporação admitiu o uso de 506 balas de elastômero e 938 bombas de gás lacrimogêneo.
Há dois anos, o Tribunal de Justiça de São Paulo já havia chegado a uma decisão semelhante no caso do fotógrafo Alex Silveira, do Agora São Paulo, atingido no olho em um protesto em 2000. Silveira ganhou em primeira instância, mas o Estado recorreu e a decisão foi alterada.
A culpa agora é do jornalista, que errou na hora de escolher a profissão.