O Estado de São Paulo – Caderno 2
26 de setembro de 2016
por Vanessa Barbara
Certa vez, telefonei a um psiquiatra para marcar uma consulta. O telefone tocou algumas vezes e eu já ia desligar quando atendeu um homem de voz grossa, meio ofegante: “Alô?! Alô?!”.
Eu perguntei se era do consultório médico, o homem disse que sim. Pedi para marcar um horário e ele mandou que eu ligasse outra hora. É claro que fiquei imaginando uma gangue de pacientes descabelados mantendo o médico como refém, saqueando o seu estoque de Rivotril e uivando à luz da lua.
Ironias à parte, é triste perceber que ainda há gente que pensa que ir ao psiquiatra é coisa de louco. Em represália a esse tipo de pessoas, faço o máximo para, sempre que possível, deixá-las ainda mais assustadas, como uma forma de vingança silenciosa em nome daqueles que sofrem de transtornos mentais, seja depressão, ansiedade, TOC, esquizofrenia etc.
Minha história preferida de psiquiatra aconteceu numa consulta com o dr. André. Ele se sentou na minha frente e ligou o computador para consultar o meu histórico médico. Ficou olhando a tela por um tempo, chacoalhou a cabeça com preocupação, suspirou e por fim exclamou, derrotado: “É, a coisa tá feia. Não vai ter jeito”. Diante do meu olhar atônito, ele explicou que não estava se referindo ao meu prognóstico, mas ao computador dele, que deu para demorar na hora de fazer o boot. Nunca fiquei tão feliz em ajudar a limpar programas da inicialização de um computador.
Outro grande momento da minha carreira de transtornos se deu no consultório do dr. Marcos, onde fiz terapia cognitivo-comportamental. Aliás, muita coisa surreal acontecia por lá: para começar, todas as quartas-feiras às 16h um vizinho botava bem alto o “Tema da Vitória”, aquela música do Ayrton Senna, e nesse momento nós tínhamos de interromper a sessão e ficar só contemplando aquele acontecimento inexplicável. Confesso que perdi preciosos minutos da terapia tentando especular como seria esse vizinho, qual motivo estaria por trás do ritual e principalmente o que faríamos caso um dia ele falhasse em tocar a música.
Numa das minhas primeiras sessões com o dr. Marcos, levei um tempo antes de respirar fundo e desabafar: “Cara, tem um pelo aqui na frente. Um pelo flutuando no ar. Desculpa, mas é de verdade e está incomodando muito, não consigo parar de prestar atenção”. Não sei se foi só por gentileza, mas ele passou um tempo olhando para onde eu apontava, no vazio onde batia uma luz oblíqua do sol da tarde, e confirmou que eu não estava alucinando. “Sim, acho que estou vendo”, ele falou com delicadeza.
(Obrigada.)
Lembro também de uma psicanalista para quem contei o sonho de que eu era um asiático baixinho que batia na esposa. Ela fez anotações furiosas e pareceu entusiasmada, mas fora isso nunca consegui entretê-la.
Só depois é que aprendi a lição: jamais frequente um terapeuta que não ri das suas piadas.