Sébastien Thibault

Sébastien Thibault

The New York Times
19 de outubro de 2016

by Vanessa Barbara
Contributing Op-Ed Writer

SÃO PAULO, Brasil — Quando vou cobrir um protesto no Brasil, faço questão de levar um capacete, uma mascara de gás e um par de óculos de proteção contra lacrimogêneo. Uso tênis para poder escapar da polícia, e calças compridas para me proteger de estilhaços de bomba e balas de borracha. Carrego também uma câmera digital e o telefone de um advogado. Minha carteirinha de imprensa sempre fica pendurada no pescoço.

Os protestos de rua têm sido um elemento recorrente da vida política brasileira nos últimos três anos. A onda de manifestações começou em junho de 2013, quando milhões de pessoas tomaram as ruas contra o aumento das tarifas de transporte público. Os atos atingiram novo ápice nos meses anteriores à Copa do Mundo de 2014. E voltaram com força desde agosto, quando Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, de centro-esquerda, foi afastada da presidência após alegações de manipular o orçamento público.

A volta das manifestações trouxe consigo violentas reações policiais, que tendem a ser mais intensas contra protestos de esquerda. (As autoridades pareceram aprovar os protestos anti-Dilma.) Embora a polícia militar, que é subordinada aos governadores dos estados, não esteja necessariamente alinhada à direita, ela segue princípios de ordem e subordinação. E parece enxergar os manifestantes como inimigos e ameaças à ordem social.

Já houve inúmeras vítimas. Apenas em São Paulo, a polícia cegou quatro pessoas em protestos nos últimos anos. A mais recente foi Deborah Fabri, uma estudante de 19 anos que foi atingida no olho por estilhaços de uma bomba durante um protesto em agosto contra Michel Temer, o presidente interino. Outro jovem de 19 anos, Vitor Araújo, perdeu o olho direito em setembro de 2013 durante um protesto contra a corrupção.

Dois fotojornalistas, Sérgio Andrade da Silva e Alex Silveira, perderam a visão após serem atingidos por balas de borracha. Eles processaram o estado de São Paulo, mas em ambos os casos a corte determinou que não tinham direito a indenização, pois teriam se colocado em perigo.

Portanto, os manifestantes estão tomando a segurança em suas próprias mãos. Em São Paulo, um grupo de socorristas pode ser encontrado em manifestações fazendo curativos em sangramentos na cabeça, cuidando de fraturas expostas e desinfetando ferimentos. Às vezes, esses voluntários não dão conta de tantas pessoas feridas e outros entram para ajudá-los, como a minha mãe de 62 anos, que costuma carregar aos protestos um kit de primeiros socorros contendo luvas de borracha, soro fisiológico, água oxigenada, spray antisséptico, gaze, ataduras e máscaras cirúrgicas para proteger as pessoas do gás lacrimogêneo.

Os manifestantes também criaram suas próprias instituições para defender seus direitos. Grupos de observadores legais e advogados voluntários costumam acompanhar os atos, cuidando para ver se a polícia não viola a lei. Os observadores tomam nota de procedimentos ilegais como a remoção de tarjetas de identificação, o uso de gás lacrimogêneo com validade vencida, o emprego inadequado de armas menos letais e o uso desproporcional da força.

Infelizmente, isso não parece tolher a polícia. Em um protesto contra a Copa do Mundo de 2014, a corporação deteve 262 pessoas, quase 20% do protesto. Os policiais alegaram que a massa foi detida para “averiguação”, mas tal procedimento é extremamente controverso e, muitos dizem, ilegal.

Ao término dos protestos, um grupo denominado Advogados Ativistas faz uma ronda nas delegacias em busca dos detidos, pois os policiais raramente dão a informação sobre o distrito policial para onde os estão levando – ou mesmo qual a causa da detenção.

Além de reprimir duramente ativistas, socorristas e advogados, a polícia também persegue jornalistas, sobretudo fotógrafos. Em outubro de 2013, Yan Boechat viu um grupo de policiais militares agredindo um socorrista durante uma manifestação em São Paulo. Boechat imediatamente começou a registrar a cena. Quando se recusou a obedecer a ordem de parar de fotografar, foi espancado por 13 policiais. Sua câmera foi destruída.

Em uma nota mais surreal, semanas atrás, o fotógrafo Antonio Rodrigues foi acusado de agredir um policial com a câmera e tentar roubar seu cassetete. (Ele alega, de forma mais plausível, que só estava tentando se proteger dos golpes.) Muitos dos meus colegas fotógrafos dizem que, mesmo quando seu equipamento é deixado intacto, alguém na delegacia apaga todos os vídeos e fotos.

Até hoje, nenhum policial foi punido por violência excessiva ou abuso de autoridade em protestos. Eu poderia passar páginas recontando casos de abuso policial em manifestações, mas, se tivesse de escolher apenas um episódio, seria a prisão de 26 estudantes, em sua maioria secundaristas, duas horas antes de um protesto em setembro em São Paulo.

Os estudantes foram acusados de fazer parte de um “black bloc”, nome dado aos adeptos de uma tática anarquista que às vezes vandaliza alvos simbólicos como bancos e prédios do governo. Os estudantes passaram a noite no Departamento Estadual de Investigações Criminais (DEIC), sem acesso a advogados. A polícia recusou-se inclusive a divulgar seus nomes.

Jornalistas reportaram que a detenção foi provavelmente orquestrada por um capitão do Exército infiltrado que estava posando de ativista no Tinder e em grupos de WhatsApp. De acordo com reportagens, há suspeitas de que ele estaria infiltrado há pelo menos um ano. A polícia militar nega qualquer conhecimento da operação de inteligência, embora no local estivessem de prontidão dezenas de policiais, inúmeras viaturas, ônibus e até um helicóptero sobrevoando o Centro Cultural onde eles estavam reunidos, a 2,5km do local do protesto.

O que a polícia encontrou em poder desses nefastos e pretensos sabotadores? Kits de primeiros socorros, máscaras de gás, garrafas de vinagre, óculos de proteção, aparelhos celulares, folhetos políticos, canetinhas, um extintor de incêndio para automóveis, um estilingue e um chaveiro do Pateta. Nada muito diferente do que eu costumo levar em protestos, tirando o fato de que eu não tenho um chaveiro tão bacana. Eles foram liberados mais de 24 horas depois porque o juiz considerou a detenção irregular.

O Brasil segue em turbulência. Os protestos irão continuar. Gostaria de ter a esperança de que o abuso contra manifestantes irá terminar. Mas nada vai mudar enquanto a polícia continuar tratando os manifestantes como criminosos, e não como cidadãos exercendo seus direitos. Os policiais deviam ser treinados para agir de acordo com as normas democráticas e dentro da lei, assim como os manifestantes são instados a fazê-lo. Acima de tudo, precisam ser responsabilizados quando violam a lei.

E se isso não acontecer, os manifestantes terão que tomar a responsabilidade para si. Já vi isso acontecer uma vez: manifestantes formaram seu próprio grupo de segurança para proteger as pessoas do abuso policial. Isso pode ficar feio.


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês na página A15 do The New York Times do dia 19 de outubro de 2016, com o título: The impunity of Brazil’s riot cops. Tradução da autora.