Grupo de controle

Postado em: 15th novembro 2016 por Vanessa Barbara em Caderno 2, Crônicas, O Estado de São Paulo

O Estado de São Paulo – Caderno 2
14 de novembro de 2016

por Vanessa Barbara

Há sempre aquele momento na vida em que você, que foi aceita num protocolo de pesquisa experimental de um grande hospital paulistano, tem que se deparar com a desagradável descoberta de que caiu no grupo de controle.

Aos que não estão familiarizados com o excitante mundo da pesquisa científica, um grupo de controle consiste naquele conjunto de infelizes que não receberão o tratamento que é foco do estudo, mas que não foram informados deste pormenor. Serve sobretudo como referência para a medição da eficácia do fator testado no grupo “de verdade”. Em suma, é o conjunto de pobres-diabos que toma a pílula de açúcar e recebe uns passes de vapores místicos de cânfora que teoricamente seriam eficazes em realinhar os chacras do duodeno, enquanto os sortudos tomam antibiótico.

Sei que o grupo de controle é parte indissociável dos protocolos experimentais e que, sem ele, não teríamos como saber se o antibiótico tem o mesmo efeito da cânfora espiritual, mas, ainda assim, ninguém pensa com carinho em nós, os cavaleiros do desprendimento, mártires da ciência moderna, aos quais não resta nem o tênue alívio da possibilidade de ser curado. Apenas continuamos comparecendo às reuniões e preenchendo questionários com resignação e um certo senso de dever cívico similar ao de um mesário anarquista.

Não é que eu esteja me queixando, pois sei que, em última instância, todos pertencemos a um grupo de controle cósmico que um Deus empirista estabeleceu sobre a Terra. Tenho plena convicção de que, em algum lugar, existe um outro planeta com uma população estatisticamente idêntica à nossa, pelo menos em sua forma original (digamos, um Adão e uma Eva, ou uma série de chimpanzés bem-dispostos), à qual está sendo aplicado um tratamento existencial de primeira linha. Por exemplo: o grupo de verdade é exatamente igual ao nosso, só que com mais cachorros, e ele está submetido a uma ordem perfeita e ao benevolente desígnio divino em questões de vida ou morte. O grupo de controle ficou com o livre-arbítrio. (Deu no que deu.)

Por outro lado, é bem possível que o tratamento em si não dê resultados e que nesse outro mundo também existam Donald Trump e pochetes, mas uma das particularidades de pertencer ao grupo de controle é necessariamente invejar a grama do vizinho e ficar se culpando por não ter caído com a turma certa. No caso da pesquisa do hospital, eu aposto que no grupo de verdade eles têm bolo, e que o coordenador está a essa altura ensinando passos de sapateado por absoluta falta do que fazer, já que a completa remissão dos sintomas foi alcançada na totalidade dos pacientes desde a segunda sessão.

Nós, do grupo de controle, já planejamos um motim para invadir a sala oito e clamar por justiça. Ou pelo menos por uma fatia de bolo.