O Estado de São Paulo – Caderno 2
5 de dezembro de 2016
por Vanessa Barbara
Sempre que tento fazer meditação, lembro do relato da minha amiga Daniela Kopsch. Foi assim o primeiro dia dela na ioga:
“Essa professora me lembra alguém.”
“Coceira no nariz.”
“Será que descobriram alguma coisa sobre o avião da Malásia?”
“Quando chegar em casa tenho que lavar a louça.”
“Era pra doer desse jeito?”
“Pôr do sol.”
“Meus joelhos são muito tortos. Com certeza eu tenho má formação óssea.”
“Será que eu deixo a louça pra amanhã de manhã?”
“Só eu não estou fazendo barulho pra respirar. Tô fazendo errado.”
“Vai ver eles estão gripados.”
“Ainda bem que não tem incenso.”
“Oceano.”
“Com certeza vou deixar a louça pra amanhã.”
“Vou imitar a respiração dessa mulher.”
“Já sei! A professora parece a irmã do Tony Soprano.”
“Isso não é meditação nem ferrando.”
*
Tempos atrás, por puro interesse jornalístico, e não porque minha ansiedade atingiu o nível de um gato andando numa sala cheia de cadeiras de balanço, resolvi tentar a última palavra em meditação: o mindfulness, ou atenção plena, originalmente um conceito da meditação budista, mas que foi incorporado a formas modernas de psicoterapia.
Já digo de antemão que é um exercício interessante, no qual você passa 80% do tempo acreditando firmemente que está fazendo tudo errado, outros 10% tentando lembrar onde guardou os seus óculos de natação e o restante sentindo tédio. Nem é preciso dizer que recomendo vivamente.
Consiste em prestar atenção nas experiências internas e externas que se passam no momento presente, numa atitude de aceitação, sem julgamentos. O exemplo clássico é se concentrar na própria respiração, no ar entrando e saindo, e para esse ponto retornar toda vez que o pensamento fugir – o que deve acontecer cerca de 73 vezes por minuto. A pessoa também pode focar nas sensações de cada parte do corpo, fazendo um escaneamento corporal. E daí estender a técnica para atividades do cotidiano, como faxinar a casa e fazer xixi com atenção plena.
A técnica está sendo empregada como auxiliar no tratamento de depressão, ansiedade, dependência química e dor crônica.
Comecei com o ótimo aplicativo Headspace, que traz meditações guiadas para iniciantes, em inglês. Há um período de testes gratuito com dez sessões de dez minutos. Depois de completá-las, o usuário passa para outros níveis com sessões de quinze e vinte minutos de duração. Além disso, há séries específicas para criatividade, concentração, equilíbrio e relacionamentos, em meditações guiadas que podem durar de dois a sessenta minutos. O preço da mensalidade é 13 dólares, com a opção de adquirir um curioso “passe para a vida toda” a módicos 419,95 dólares.
Outro aplicativo popular é o Calm, também em inglês, que traz algumas meditações gratuitas e inúmeros pacotes pagos voltados ao controle de ansiedade, insônia e melhora da concentração, entre outros. Mas meu favorito atualmente é o Insight Timer, que é gratuito e possui 3 mil meditações guiadas, a maioria em inglês. (Há 24 em português: é só filtrar por idioma na ferramenta de busca.)
No YouTube também existem opções em nosso idioma e em português de Portugal (recomendo, são engraçadas).
A prática já está sendo adotada em vários hospitais e também é ministrada em entidades privadas como o Centro Paulista de Mindfulness (cursos pagos) e o Meditação SP (gratuitos). Também o Centro Mente Aberta, no campus Santo Amaro da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), está fazendo no momento uma triagem para pacientes do SUS que queiram participar dos grupos que começam em janeiro (mais informações por e-mail: ambusaude@gmail.com).
Sugiro experimentar só para se assustar com a quantidade de pensamentos aleatórios entupindo o cérebro – e talvez para encontrar seus óculos de natação.