Começando mal

Postado em: 5th janeiro 2017 por Vanessa Barbara em Caderno 2, O Estado de São Paulo
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O Estado de São Paulo – Caderno 2
2 de janeiro de 2017

por Vanessa Barbara

Muitos encaram a virada do ano como o momento de renovar as esperanças no futuro. Isso é particularmente verdadeiro em anos como 2016, quando o Reino Unido decidiu sair da União Europeia, Trump foi eleito presidente, morreu o Dom Paulo e tudo o que podia dar errado efetivamente deu. Poucos anos foram tão antecipados quanto 2017, uma página em branco que todos estavam ansiosos para estrear com a inabalável esperança de que tudo agora irá se acertar.

Não é que eu queira ser indelicada, mas convém considerar que tal otimismo pode ser precipitado. No passado, já aconteceu de o ano-novo abrir uma porta que não leva a um caminho esplendoroso de novas oportunidades, mas a uma trilha de lama muito pior do que a do ano anterior, algo tão nefasto que nos faria exclamar: “Bons tempos do vírus zika”.

Já houve anos inteiros que se perderam em janeiro. Que o digam nossos antepassados de 1919. Nos primeiros dias do novo ano, estavam todos aliviados com o término da pandemia de gripe espanhola e com o fim da Primeira Guerra Mundial, confiantes de que o mundo iria melhorar.

Naquele ano, mal o champanhe perdeu suas bolhas, já no dia 1o de janeiro, a Checoslováquia ocupou Pressburg, atual Bratislava. Um navio com marinheiros que lutaram na guerra naufragou na costa da Escócia, matando 205 pessoas. No dia 5, foi criado o Partido dos Trabalhadores Alemães, precursor do Partido Nazista. Os primeiros sopros de vida do ano ainda resultaram na chamada Semana Trágica na Argentina, uma greve por direitos trabalhistas que terminou com o massacre de pelo menos 800 pessoas, entre anarquistas, comunistas e operários. Na ocasião, houve também perseguição e extermínio de judeus, naquele que é considerado o primeiro pogrom da América Latina.

No dia 11 de janeiro, ossetianos radicais promoveram um genocídio de georgianos na cidade de Alagir, na Rússia. Na Alemanha, a Liga Espartaquista tentou iniciar uma revolução marxista em Berlim, mas foi brutalmente reprimida por grupos paramilitares, que terminaram por assassinar Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht.

E não foi só isso. No dia 15 de janeiro de 1919, acreditem se quiser, um gigantesco reservatório de melaço se rompeu em Boston, nos Estados Unidos. Uma onda viscosa com 5 metros de altura tomou as ruas a uma velocidade de 56 km/h, matando 21 pessoas e ferindo 150. Um tsunami caramelizado. Que tal isso para um começo de ano?

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No Brasil, o mês de janeiro é pródigo em inundações e deslizamentos de terra. No dia 11 de janeiro de 2011, na região serrana do Rio de Janeiro, um temporal deixou mais de 900 mortos e 35 mil desabrigados. No mesmo dia, só que em 1966, uma chuva de 72 horas ininterruptas resultou em 250 mortos e 50 mil desabrigados na capital fluminense. Em 1967, foram 785 mortos em enchentes e deslizamentos na cidade.

Aconteceu em janeiro de 2013 o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria. E foi em janeiro do ano passado que morreu o cantor David Bowie.

Aliás, logo de cara, nem bem o ano se instalou, a humanidade costuma sofrer muitas baixas ilustres: faleceram em janeiro Marco Polo, Galileu Galilei, Lineu e Momofuku Ando (inventor do miojo); os escritores Albert Camus, T. S. Eliot, Katherine Mansfield, James Joyce, Lewis Carroll, George Orwell e J. D. Salinger; os estadistas François Mitterrand, Vladimir Lênin e Winston Churchill; a médica Zilda Arns; a cantora Elis Regina; o jogador Leônidas da Silva; as atrizes Hedy Lamarr, Barbara Stanwyck, Audrey Hepburn e Ava Gardner.

Janeiro não poupou Calígula nem Al Capone; levou igualmente Salvador Dali, Giuseppe Verdi, Carlos Magno e a rainha Victoria. Ceifou Cecil B. DeMille e também Samuel Goldwyn. Executou Guy Fawkes. Basta dizer: janeiro é um mês tão impiedoso que levou Mahatma Gandhi.

Fiquem avisados.