O Estado de São Paulo – Caderno 2
12 de dezembro de 2016
por Vanessa Barbara
Odeio meditação guiada sem sininho no final. Você fica “acabou? acabou?” e aí decide espiar o celular, então o sujeito volta a falar com aquela voz de bondade suprema e você se sente meio errada, aí depois acaba de verdade, ninguém te avisa e você fica lá meio tensa sem saber se já pode voltar a nervosar.
Fico imaginando se existe uma meditação específica para lidar com isso. Porque tem de tudo: meditação para aceitar a morte, para liberar frustrações, para o exercício da gentileza, para se conectar com o seu futuro self, para aliviar a dor da solidão, para abrir o terceiro olho, para encontrar o seu propósito, para “abraçar a energia da águia”, para dissolver-se num coração abundante, para conectar-se a um floco de neve; há meditações para se fazer sentado, deitado, andando, almoçando, correndo ou grávida.
No aplicativo Insight Timer, há pelo menos dezesseis meditações guiadas em que você se imagina como uma montanha (sempre fico nervosa porque não me acho uma boa montanha) e inúmeras em que é preciso visualizar seus órgãos internos sorrindo. A mais engraçada que eu fiz, na qual meu duodeno gargalhou à beça, foi um escaneamento corporal da modalidade loving-kindness (compaixão). Durante a prática, me pediram que eu fosse grata ao trabalho duro de meus músculos faciais, e que considerasse o sofrimento de ser um dos meus ombros. Pediram que eu enviasse apreciação à dura tarefa de digerir os alimentos e sentisse compaixão pela minha pélvis.
Não sei se fui um bom ombro nem se agradeci o suficiente, e de novo fiquei insegura.
Um dos momentos mais tensos da meditação é quando está tudo calmo e pacífico, você deitada no chão da sala visualizando um lago cristalino num dia de sol, o ar entrando e saindo dos pulmões, o coração batendo quarenta vezes por minuto, quando de repente vem um espirro. Súbito. Forte. É possível que vários ataques cardíacos fatais tenham sido registrados nesse momento. (Causa mortis: espirrou durante a meditação.) Você se desestrutura inteira e passa o resto da prática com medo de que aconteça de novo. Ainda não encontrei meditações específicas para aceitar a iminência de espirros neste mundo tão repleto de ameaças, mas deve haver.
E soluços: experimente meditar no meio de uma crise de soluços. (Um amigo meu, tradutor conceituado, tem plena convicção de que para curar soluços basta fechar os olhos e visualizar com afinco o seu próprio diafragma, concentrando-se em detalhes como formato, consistência e cor do músculo.)
Há também meditações não guiadas nas quais a pessoa ouve apenas uma música de fundo e os fatídicos sininhos no início e no final, mas essas costumam me deixar ainda mais insegura de minhas habilidades meditativas.
Pensando nessas dificuldades, minha amiga Paula adotou para si a prática da anarcomeditação, que consiste em nunca se sentir errada. Cansou da meditação? Pode dormir. Também é permitido abrir os olhos, coçar o nariz, deitar quando é meditação sentada e levantar no meio da prática porque sentiu cheiro de feijão. A anarcomeditação é parte do próprio mindfulness, que afinal consiste em suspender o julgamento e aceitar o momento presente.
Sugiro aos leitores que, para começar, experimentem uma anarcomeditação guiada em português de Portugal. E que façam questão de imaginar o esôfago sorrindo.
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Uma curiosidade: o Insight Timer registra em tempo real quem está meditando e por quanto tempo. A ideia é chegar ao nível de uma certa Megan, de Nova York, que num domingo recente passou 12 horas e 24 minutos meditando, ou abraçando a energia da águia e dissolvendo-se num coração abundante. É isso que eu chamo de dia de maldade.