O apocalipse brasileiro da austeridade (tradução)

Postado em: 6th janeiro 2017 por Vanessa Barbara em Traduções
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Sarah Mazzetti

The New York Times
6 de janeiro de 2017

por Vanessa Barbara
Contributing op-ed writer

SÃO PAULO, Brasil — O fim do mundo já chegou no Brasil.

Pelo menos é o que as pessoas estão dizendo. Uma emenda constitucional aprovada pelo Senado no mês passado está sendo chamada de “PEC do fim do mundo” por seus oponentes. É que as consequências da medida parecem desastrosas – e duradouras. A PEC irá congelar por vinte anos os gastos do governo, incluindo em educação e saúde.

O governo justificou a medida dizendo que o país sofre um déficit orçamentário grave. Mas as pessoas não estão comprando a desculpa. Uma pesquisa no mês passado constatou que apenas 24% da população apoia a PEC. Os brasileiros saíram às ruas para expressar desaprovação e foram recebidos, como de costume, com gás lacrimogêneo e a polícia montada. Estudantes secundaristas chegaram a ocupar mil escolas em protesto, muitas no estado do Paraná.

O governo não está recuando. A PEC do fim do mundo é apenas uma de várias medidas neoliberais aprovadas por insistência de Michel Temer, o novo presidente. É preocupante que Temer possa executar tantas reformas, sobretudo considerando que muitas delas, incluindo a do teto dos gastos públicos, vão contra a agenda política da candidata que – ao contrário dele – foi efetivamente eleita presidente. 

Em agosto passado, a presidente Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores foi removida do cargo sob alegações de ter manipulado o orçamento. Assim que Temer, então seu vice-presidente, assumiu o cargo, ele anunciou uma série de políticas neoliberais. E não parou até hoje, sob o argumento de que está aproveitando sua impopularidade para botar em prática medidas impopulares.

Presidente Michel Temer, do Brasil. Sua PEC do teto dos gastos irá prejudicar os cidadãos mais pobres pelas próximas décadas. Crédito: Evaristo Sá/Agence France-Presse — Getty Images

 

A PEC do teto, como muitas outras políticas de Temer, vai prejudicar os cidadãos mais pobres e vulneráveis pelas próximas décadas. Não só na opinião dos oponentes esquerdistas do presidente. Philip Alston, o relator especial da ONU para extrema pobreza e direitos humanos, disse recentemente que a medida “bloqueará gastos em níveis inadequados e rapidamente decrescentes na saúde, educação e segurança social, portanto, colocando toda uma geração futura em risco de receber uma proteção social muito abaixo dos níveis atuais”.

Alston acrescentou que a lei colocará o Brasil em uma “categoria única em matéria de retrocesso social”. É exatamente onde parece que Temer e seus aliados querem nos deixar.

Além da PEC dos gastos, Temer introduziu uma proposta para reformular o sistema previdenciário do Brasil. Seu plano é estabelecer a idade mínima de aposentadoria aos 65 anos, num país onde a média das pessoas se aposenta aos 54. A lei também vai exigir pelo menos 25 anos de contribuição de mulheres e homens.

Há boas razões pelas quais o Brasil ainda não passou leis como essa. Embora a média da expectativa de vida no Brasil seja de 74 anos, somos um dos países mais desiguais do mundo. Por exemplo: em 37% dos bairros na cidade de São Paulo, os moradores têm uma expectativa de vida de menos de 65 anos. Ela é ainda menor para os trabalhadores rurais.

Alguns dos planos econômicos de Temer nem têm a ver com o déficit orçamentário. Também no mês passado, pouco depois que a PEC do teto dos gastos foi aprovada, o governo propôs uma reforma na legislação trabalhista que permite que os acordos firmados entre os empregadores e os sindicatos passem por cima da lei. A nova proposta também aumenta o número máximo de horas permitidas para 12 por dia e flexibiliza as regras para a contratação de trabalhadores temporários. As entidades patronais elogiaram o plano. Os sindicatos ficaram furiosos.

Outra prioridade do governo Temer é o projeto de lei da terceirização, que foi proposto pela primeira vez em 2004, mas adiado por causa da pressão dos sindicatos. Em abril de 2015, foi aprovado pelo Congresso e agora aguarda votação no Senado. A medida irá permitir que as empresas terceirizem qualquer emprego, inclusive os pertencentes à sua atividade-fim. Conforme as leis atuais, as empresas podem terceirizar apenas os cargos “não-essenciais”, como serviços de limpeza, enquanto os funcionários “essenciais” teriam que ser contratados diretamente pela empresa, o que significa que têm acesso a todos os benefícios e direitos prescritos pela lei, como férias remuneradas, licença-maternidade e décimo terceiro.

Dessa forma, não surpreende que a gestão de Temer seja imensamente impopular: uma pesquisa em dezembro constatou que 51% dos brasileiros a consideram “ruim” ou “péssima”. (Só 10% dos entrevistados aprovam o governo, e 34% o julgam “regular”.) Temer, que chegou ao poder graças ao impeachment de Rousseff, também foi declarado culpado em violar limites de financiamento de campanha e citado em um dos muitos escândalos de corrupção se desenrolando no Brasil.

Ainda assim, o novo governo já recebeu apoio das seguintes organizações: Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Confederação Nacional da Indústria (CNI), World Trade Organization (WTO), Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) e inúmeros altos executivos.

Para alguns brasileiros, pelo menos, o fim do mundo é o início de uma oportunidade de ouro.


Vanessa Barbara é cronista do jornal O Estado de São Paulo, editora do site literário A Hortaliça e colunista de opinião do INYT.

Este texto foi publicado em inglês na página A9 do The New York Times do dia 6 de janeiro de 2017, com o título: Brazil’s austerity apocalypse. Tradução da autora.