O Estado de São Paulo – Caderno 2
16 de janeiro de 2017
por Vanessa Barbara
No mês passado, fiz uma pesquisa para o The New York Times sobre nomes de esmaltes e constatei que o ápice da criatividade humana não está mais sendo empregado em áreas como a literatura e a música, mas no batismo de tons de verniz para decorar as unhas.
Diante de uma nova cor, as empresas nunca recorrem ao Pantone ou código hexadecimal – “achei divino aquele vermelho #ff001E” –, mas a epítetos mais poéticos como “Renda”, “Algodão Doce” ou “Pétala Branca”. Por alguma razão, isso rapidamente desandou para nomes bizarros como “Risoto de Mandioquinha” (um laranja com tom de mostarda), “Pantalona de Chita” (vermelho rosado) e “Manjar de Tapioca” (nude).
Os nomes que mais me irritam trazem um leve tom condescendente junto com o fundo perolado. “Bom Dia com Amor”, da Colorama, é um deles, bem como “Encontro Delícia”, “Quem Nunca?” e “Ai, Amiga!”.
Lá fora, temos uma tonelada de nomes exóticos como “Fiji Weejee Fawn” [algo como Bege Fiji Ouija], “Seychelles Seashells” [Conchas de Seychelles] e “Up the Amazon Without a Paddle” [Rio Amazonas Acima Sem um Remo]. Até aí, tudo bem. Mas logo a marca americana OPI achou que era uma boa ideia lançar a cor “Kiss Me, I’m Brazilian” [Me Beije, Sou Brasileira], a despeito de ser um tanto ofensiva.
Hoje em dia não há nenhum pudor em dar nomes misóginos aos vidros de esmalte. A grife Sephora by OPI tem uma coleção inteira que eu chamo de “Tons Chauvinistas de Inverno”: inclui uma cor de maravilha chamada “Lost Without My GPS” [Perdida Sem Meu GPS] e um preto vivo de nome “What’s a Tire Jack?” [O Que É um Macaco?]. A marca também é responsável por “How Many Carats” [Quantos Quilates?], “I’m With Brad” [Estou com o Brad] e “Never Enough Shoes” [Nunca Há Sapatos o Bastante].
Mas eles não estão sozinhos: a marca Essie lançou “No Pre-Nup” [Sem Acordo Pré-Nupcial], “Where’s My Chauffeur” [Onde Está Meu Motorista], “Trophy Wife” [Esposa-Troféu] e “Show Me the Ring” [Me Mostre a Aliança]. A empresa China Glaze vende as cores “Man Hunt” [Caça-Homens], “Limbo Bimbo” [algo como Vadia do Limbo] e “Marry a Millionaire” [Case-se com um Milionário]. A marca Deborah Lippmann tem “Before He Cheats” [Antes Que Ele Traia]. Uma das cores mais populares da OPI é um tom de vermelho-rubi que eles intitularam “I’m Not Really a Waitress” [Não Sou Exatamente uma Garçonete]. E a Spoiled tem um esmalte chamado “Daddy’s Credit Card” [O Cartão de Crédito do Papai].
O Brasil não fica para trás: nós temos as cores “Deixa Beijar”, “Nunca Fui Santa”, “Me Belisca!”, “Fiu Fiu”, “Ô Meu Santo Antônio”, “Boneca de Luxo” e “Amante”, entre outros.
Como se não bastasse, no ano retrasado, a Risqué decidiu contribuir ainda mais para o movimento global antifeminista dos nomes de esmaltes com a coleção: “Homens Que Amamos”. O intuito era celebrar os grandes atos de nossos heroicos namorados e maridos. Há um tom laranja vivo chamado “André Fez o Jantar”, um roxo de nome “Leo mandou flores”, um cinza-escuro chamado “Zeca Chamou Para Sair” e um prateado de nome “Guto Fez o Pedido!!” (com dois pontos de exclamação). O slogan da coleção é: “O assunto número um das nossas conversas”, claro, os homens, “em seis cores que vão dar o que falar”.
É claro que tamanha criatividade nos incentivou a sugerir para a marca uma nova coleção temática, chamada: “Arco-Íris da Repressão”. Tem o “Neblina de Lacrimogêneo”, um branco cremoso com toques de esfumaçado; o “Pimenta Nos Olhos dos Outros”, um vermelho que dispensa explicações; o “Noite dos Mascarados”, preto com brilho; o “Roxo de Cassetete”, que com o tempo muda de cor e fica esverdeado; e o “Constituição Brasileira”, que sai com qualquer chuvinha.