Le1 (França)
3 de outubro de 2018
por Vanessa Barbara
Tenho um sobrinho de 8 anos chamado Augusto. Como todos os sobrinhos de 8 anos, um de seus principais passatempos é o de quebrar coisas: rodas de carrinho, lanternas portáteis, uma árvore de Natal, o braço de um super-herói que ele arremessou do alto de uma varanda. Sempre que isso acontece, como quando um copo vai ao chão e quebra em caquinhos, a solução é a mesma: “Ah, a vovó conserta”. (A vovó – no caso, minha mãe – é conhecida por sua competência em colar, aparafusar, encaixar e remendar os brinquedos.)
Pode-se dizer que a situação é parecida com o que tem acontecido no Brasil nas últimas semanas. Primeiro, a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores, foi barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Depois, os candidatos de centro falharam em angariar votos. Quando, então, as pesquisas indicaram que o primeiro lugar na corrida presidencial era justamente Jair Bolsonaro – uma antiga figura da extrema direita –, o país agiu como um garotinho constrangido após derrubar um vaso. “A vovó conserta”, disseram os brasileiros em uníssono.
Faltando pouco mais de um mês para as eleições, um contingente enorme de avós, mães e filhas veio em socorro para consertar.
Na opinião de grande parte das mulheres, a pior coisa que pode acontecer é Bolsonaro se tornar presidente. De acordo com uma pesquisa recente do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), 54% das brasileiras jamais votaria no candidato. Entre os eleitores do sexo masculino, apenas 37% manifestou rejeição ao político.
Jair Bolsonaro é um ex-capitão do Exército que serviu como deputado federal por 26 anos. Durante esse período, aprovou apenas dois projetos de lei, além de uma emenda constitucional exigindo a emissão de recibos dos votos nas urnas eletrônicas. Mas nada disso faz diferença para seus eleitores. Mais do que pelo seu desempenho parlamentar, ele é conhecido por suas opiniões favoráveis à tortura e ao golpe militar de 1964, que instaurou uma ditadura de vinte anos no Brasil. No passado, ele já disse que, se fosse presidente, fecharia o Congresso e daria um golpe “no mesmo dia”.
O slogan de sua coligação é: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. Para ele, “não tem essa historinha de Estado laico, não. O Estado é cristão e a minoria que for contra, que se mude”, conforme disse em um discurso. E completou: “As minorias têm que se curvar para as maiorias”.
Por isso não é de estranhar seu longo histórico de desrespeito e de comentários depreciativos a vários setores da população, não só às mulheres. Ele já afirmou, por exemplo, que preferia um filho morto em um acidente a um filho homossexual. Chamou os indígenas de fedorentos e os refugiados de “escória do mundo”. Anos atrás, xingou uma deputada federal de vagabunda e disse que não a estupraria porque ela “não merece”, por ser “muito feia”. Também confessou que pagaria um salário menor a uma mulher, pois ela pode engravidar.
Bolsonaro se gaba de possuir apenas um entendimento superficial de economia. Ele quer liberar as armas aos cidadãos, defende a castração química para estupradores e diz que a Polícia Militar brasileira, uma das que mais mata no mundo, “tinha que matar é mais”.
Por tudo isso é que as mulheres decidiram se posicionar. No dia 30 de agosto, uma publicitária da Bahia criou um grupo no Facebook chamado “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro”, que em poucas semanas chegou aos 3 milhões de integrantes. O grupo deu origem a uma hashtag no Twitter, #EleNão, que também viralizou. E, por fim, levou a um protesto massivo que ocupou as ruas de várias cidades do Brasil no dia 29 de setembro.
A iniciativa das mulheres também inspirou outras categorias a se levantar contra o candidato. Tivemos, por exemplo, uma mobilização de servidores públicos contra Bolsonaro. E também de costureiras. Em um efeito dominó, outros grupos se seguiram: cientistas, bibliotecários, professores, médicos, parteiras, bancários, escritores, ambientalistas, funkeiros, cinéfilos, bordadeiras, maconheiros e policiais antifascismo.
Até os praticantes do zen perderam a paciência. Um instrutor criou o evento “Yogas e yoguines contra Bolsonaro”, manifestando repúdio aos “princípios que ferem a cultura de paz do Yoga”. E prometeu entoar na rua algumas palavras de ordem: no caso, o mantra sagrado “Om Shanti”.
No Facebook, 37 mil pessoas se interessaram pelo evento “Plantas contra Bolsonaro”, que teve como slogan: “Nem uma alface quer o candidato como presidente”. O protesto “Cachorros contra Bolsonaro” reuniu 40 mil interessados na rede. Já “Bruxas contra Bolsonaro” agregou milhares de feiticeiras empenhadas em excomungá-lo com magias e vassouradas.
Um dos eventos mais populares foi “Psicólogas(os) contra Bolsonaro”, que aproveitou para classificar como “profundamente fálico” o apreço do candidato por armas e diagnosticou uma “completa confusão entre a fase oral e anal” em seu discurso. Na área da música, tivemos “Triangulistas contra Bolsonaro” e “Contrabaixistas contra o fascista”.
Uma vez que a onda começou, ninguém foi capaz de segurar: tivemos “Comedores de espetinho contra Bolsonaro”, “Pombos de Osasco contra Bolsonaro” e “Apreciadores de gim-tônica contra Bolsonaro”. E ainda: “Pessoas com tipoia contra Bolsonaro”, “Filhotes de Golden Retriever contra Bolsonaro” e até “Irredutíveis gauleses contra Bolsonaro” (em menção a Asterix).
Como se vê, bastou que as mulheres viessem em socorro e as coisas já começaram a entrar nos eixos. Espera-se que, no dia 7 de outubro, Jair Bolsonaro não consiga votos suficientes para ir ao segundo turno. Aí, sim, poderemos respirar mais aliviadas.
Porque diante de uma possível democracia partida, não há vovó que consiga consertar.
Nascida em 1982 em São Paulo, a jornalista brasileira Vanessa Barbara é autora do romance Nuits de laitue (Zulma, 2015), vencedor do prêmio de melhor romance estrangeiro de 2015, na França.