The New York Times
12 de junho de 2019
por Vanessa Barbara
Tradução: Uol Notícias / Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Segundo o presidente Jair Bolsonaro, a educação brasileira está deixando muito a desejar. “É cada vez mais ladeira abaixo “, disse ele no mês passado a jornalistas durante uma viagem a Dallas, no Texas (EUA). “Então o que nós queremos é resgatar a educação.”
Isso seria algo razoável de dizer se Bolsonaro estivesse, por exemplo, anunciando um novo plano educacional ou um aumento substancial nos gastos com o ensino público. Mas, não, ele estava se referindo a um corte de R$ 5,7 bilhões no orçamento da educação no Brasil. (O governo insiste em chamá-lo de “contingenciamento”, em vez do corte que é; isso porque, na teoria, os fundos serão disponibilizados quando a situação econômica melhorar.) Esses cortes chegam a 30% dos orçamentos discricionários (que cobrem contas de água e luz, bolsas de estudo, limpeza, manutenção e segurança, entre outras coisas) em todas as universidades federais.
Os cortes podem ter impactos concretos, muito em breve. Uma das universidades mais antigas do país, a Universidade Federal do Paraná, só poderá continuar funcionando por mais cem dias antes de precisar fechar as portas, por falta de condições para pagar água e luz. O governo também suspendeu todos os futuros subsídios para pesquisas de mestrado e doutorado.
O corte não se limitou ao ensino superior: as verbas para ensino médio, ensino fundamental e até mesmo creches também foram muito afetadas.
Mas a situação é mais dura para as universidades federais, que, nas últimas décadas, alcançaram uma posição respeitável na educação brasileira, oferecendo cursos gratuitos e de alta qualidade para mais de um milhão de estudantes. O primeiro passo no plano de resgate de Bolsonaro, em outras palavras, é jogar alguns sobreviventes ao mar.
Mas esse é só um exemplo da lógica absurda do nosso presidente. Na mesma ocasião em Dallas, Bolsonaro foi indagado sobre as dezenas de milhares de brasileiros, muitos deles estudantes, que se reuniram em mobilizações contra os cortes na educação. Ele os chamou de “idiotas úteis e imbecis”, acrescentando que não têm nada na cabeça. “Se você perguntar a fórmula da água, não sabem.”
Isto vindo de um homem que certa vez confessou que nunca leu um romance na vida. (Para ser justo, ele disse isso em uma entrevista há 29 anos, depois de ter sido eleito para o Congresso. Desde então, teve tempo de ler pelo menos todos os russos, e tenho certeza de que o fez.) Esse mesmo homem declarou, após uma visita ao Memorial do Holocausto, em Israel, que o nazismo foi um movimento de esquerda, já que o partido nazista tem a palavra “socialista” no nome.
Para Bolsonaro, assim como para muitos líderes políticos hoje em dia, um “imbecil” é qualquer pensador não prático. Esse grupo inclui todo tipo de idealistas — socialistas, ambientalistas, pacifistas — e também aqueles com ocupações que não produzem nada tangível ou lucrativo, como professores de humanas e artistas. Em abril, Bolsonaro tuitou que o governo estava considerando retirar as verbas públicas para as faculdades de filosofia e sociologia. Em vez disso, concentraria seus gastos em áreas que geram “retorno imediato ao contribuinte”, como veterinária, engenharia e medicina.
Esse desdém pelas ciências humanas é claramente um erro. Se alguém precisa de cursos básicos de filosofia e retórica é nosso presidente, que, diante dos repórteres, parece incapaz de cumprir padrões mínimos de raciocínio. Ele frequentemente responde às perguntas com chavões aleatórios, na maneira confusa de alguém que está lendo um teleprompter distante e embaçado. Então ele invoca uma passagem da Bíblia (“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” é uma das favoritas) ou alguma curiosidade deslocada que tenha pouco a ver com o assunto em questão (o fato de que o Texas não cobra imposto de renda está sempre à mão). Se tudo o mais falhar, ele tenta desacreditar a pergunta, o veículo e até o jornalista.
Mas qual é o histórico educacional do próprio homem, você poderia perguntar? Em 1977, ele se formou na Academia Militar das Agulhas Negras, que oferece “sólida formação em ciências exatas, em uma complexidade semelhante à de um diploma de engenharia”, de acordo com uma página biográfica no site oficial do governo. No entanto, o atual currículo da academia, segundo uma recente dissertação de mestrado, não inclui disciplinas de física ou cálculo. O que de fato inclui na grade são muitas horas de filosofia, sociologia, direito, geopolítica, psicologia e história militar. Quando critica as ciências humanas, o presidente desdenha as disciplinas integrantes de sua própria formação em ciências militares.
Bolsonaro também se formou em educação física pela Escola de Educação Física do Exército, e mais tarde tornou-se mestre em paraquedismo, participando da brigada de paraquedistas do Rio de Janeiro. “Ele conquistou o primeiro lugar em uma turma de 45 alunos da Escola de Educação Física do Exército, bem como o primeiro lugar no curso de mergulho autônomo oferecido pelo Grupamento de Busca e Salvamento do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro”, diz o site do governo.
Mas o presidente prefere enfatizar o treinamento prático que recebeu na academia, em oposição às inúteis aulas de ética ou a toda aquela baboseira de direito penal militar. Em uma transmissão ao vivo no Facebook em abril passado, Bolsonaro elogiou um curso de conserto de geladeira e TV que ele fez como tenente do Exército décadas atrás. “Se eu hoje em dia fosse exercer essa profissão aí fora, eu ia ganhar muito, mas muito mais do que gente que tem um curso superior.”
E isso, afinal, é primordial. O ministro da Educação concordou, acrescentando que o principal objetivo do governo é ensinar habilidades básicas às crianças, como poder ler, escrever e fazer contas. Depois eles ensinariam um ofício que gere renda para a pessoa e bem-estar para a família dela.
Chega de filosofia, sociologia, literatura e humanidades. Quem precisa de raciocínio quando, sem ele, nossos filhos ainda podem crescer para ser futuros presidentes do Brasil?
*Vanessa Bárbara é editora do site literário A Hortaliça, autora de dois romances e dois livros de não-ficção em português, além de colaboradora do INYT de artigos de opinião.