Seus objetivos totalitários são hoje inequívocos
The New York Times
15 de setembro de 2021
por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer
SÃO PAULO, Brasil — Há semanas, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro tem incitado seus apoiadores a tomar as ruas. Por isso, no dia 7 de setembro, Dia da Independência, eu quase esperava ver hordas de pessoas armadas vestindo camisas verde-amarelas, algumas com chapéus de pele com chifres, invadindo o edifício do Supremo Tribunal Federal — nossa própria versão da invasão do Capitólio.
Felizmente, não foi o que ocorreu. (A multidão acabou indo para casa, e ninguém tentou se sentar nas cadeiras dos juízes do Supremo.) Mas os brasileiros tiveram sua cota de caos e consternação.
Para Bolsonaro, foi uma demonstração de força. Pela manhã, dirigindo-se a uma multidão de cerca de 400 mil pessoas em Brasília, ele disse que pretendia usar o tamanho do público como um “ultimato para todos os que estão na Praça dos Três Poderes.” À tarde, em um protesto em São Paulo com 125 mil pessoas, o presidente chamou as eleições de 2022 de “uma farsa” e afirmou que não irá mais cumprir as decisões de um dos juízes do Supremo. Seu propósito: “dizer aos canalhas”, urrou, “que nunca serei preso!”
Parece ser parte de um plano. Ao comprar briga especificamente com o Supremo Tribunal Federal — que abriu inúmeras investigações sobre o presidente e seus aliados, incluindo seu papel em um esquema potencialmente corrupto de compra de vacinas e seus esforços para desacreditar o sistema de votação brasileiro — Bolsonaro está tentando semear uma crise institucional, com vistas a se manter no poder. No dia 9 de setembro ele tentou recuar um pouco, dizendo em uma carta que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos poderes.” Mas suas ações são claras: ele está de fato ameaçando dar um golpe.
Talvez essa seja a única saída para Bolsonaro. (Com exceção de governar propriamente o país, algo que aparentemente não lhe desperta o interesse.) Os atos bizarros do presidente, que está debilitado nas pesquisas e se vê ameaçado pela perspectiva de um impeachment, são um sinal de desespero. Mas isso não quer dizer necessariamente que não podem ter êxito.
Bolsonaro tem bons motivos para se desesperar. A incompetência do governo em lidar com a pandemia de Covid-19 resultou na morte de 587 mil brasileiros; o país ostenta taxas históricas de desemprego e desigualdade econômica; e também sofre com uma crescente inflação, pobreza e fome. Ah, e temos uma enorme crise energética a caminho.
Tudo isso cobrou um preço alto do prestígio de Bolsonaro junto aos brasileiros. Em julho, a taxa de reprovação do presidente subiu para 51 por cento, maior índice da história, de acordo com o Datafolha. E para as eleições presidenciais do ano que vem, a situação também não é muito favorável. Na verdade, as pesquisas indicam que ele vai perder. Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente de centro-esquerda, está superando Bolsonaro com certa folga. Se as coisas continuarem como estão, Bolsonaro perde para todos os possíveis adversários no segundo turno.
Isso explica a avidez do presidente em promover acusações infundadas de fraude no sistema eletrônico de votação do Brasil. “Não tem como comprovar que as eleições foram ou não foram fraudadas,” ele declarou sobre eleições passadas (inclusive a que ele venceu), durante uma transmissão pela TV que durou duas horas, em julho, enquanto falhava em fornecer quaisquer provas para apoiar suas alegações. Ele ameaçou repetidamente cancelar as eleições se o sistema de votação atual continuar em vigor — e embora o Congresso tenha recentemente rejeitado sua proposta de emitir recibos impressos, continua a lançar dúvidas sobre o sistema eleitoral. (Parece familiar? Alguém?)
E tem também a corrupção. Há um número crescente de acusações de corrupção contra o presidente e dois de seus filhos, que também detêm cargos públicos. (Um deles é senador e o outro é vereador do Rio de Janeiro.) Promotores sugerem que a família Bolsonaro participou de um esquema conhecido como “rachadinha,” que consiste em contratar familiares ou pessoas próximas como funcionários e embolsar uma parte de seus salários.
Para Bolsonaro, que foi eleito em parte com a promessa de acabar com a corrupção, essas investigações lançam uma pesada sombra. Diante desse cenário de inépcia e escândalo, os eventos de 7 de setembro foram uma tentativa de distrair e desviar a atenção pública — e, é claro, de cimentar a discórdia.
Os esforços para destituir Bolsonaro por meios parlamentares estão empacados. Ainda que a oposição tenha apresentado 137 pedidos de impeachment, o processo precisa ser iniciado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, que não parece inclinado a aceitá-los. (Isso não é nada surpreendente: Lira é um dos líderes de um conjunto de partidos de centro-direita conhecido como “Centrão,” a quem Bolsonaro distribuiu cargos importantes no governo, na esperança de se blindar contra processos de impeachment.) Apenas enormes manifestações populares são capazes de quebrar o impasse.
Não há tempo a perder. Os protestos da semana passada não foram um simples espetáculo político. Foram mais um passo para fortalecer a posição de Bolsonaro para uma eventual tomada de poder antes das eleições do ano que vem. Ele não conseguiu exatamente o que queria — os números, ainda que expressivos, foram muito menores do que os organizadores esperavam — mas ele vai continuar tentando.
O 7 de setembro agora marca um outro momento emblemático na história do Brasil — quando os objetivos totalitários do nosso presidente se tornaram inequívocos. Para a nossa jovem democracia, pode ser uma questão de vida ou morte.