The New York Times
7 de fevereiro de 2022
por Vanessa Barbara
Contributing Opinion Writer
SÃO PAULO, Brasil — Todos os dias eu desejo a mesma coisa: que a minha filha de 3 anos e meio possa receber sua vacina contra a Covid-19.
No ano passado, ela parecia estar sempre doente. Vivia com febre e tossindo, ou com o nariz escorrendo e a garganta dolorida. Encarou quatro testes PCR e sete testes rápidos (um deles, em março, confirmou que ela tinha o vírus). Passamos o ano inteiro basicamente esfregando suas diminutas narinas e afastando-a da escola sempre que um aluno ou professor testava positivo.
Às vezes podia ser engraçado. Imagine uma criança pequena se perguntando, num tom de voz muito sério, se ela teria se contaminado com o coronavírus porque tirou a máscara de dinossauro na hora do lanche. Mas, em geral, era exaustivo e assustador. Nossa filha estava desenvolvendo o sistema imune no meio de uma pandemia, e não havia muita coisa que pudéssemos fazer a respeito.
Eu certamente não podia contar com o nosso presidente. Conforme o previsto, Jair Bolsonaro tem piorado uma situação que já é difícil. Depois de falhar em sabotar as campanhas de vacinação dos adultos e adolescentes, ele concentrou os esforços em atrapalhar a imunização das crianças. Mas contra a força do nosso sistema de saúde — e contra o poderoso apetite dos brasileiros por vacinas — seus planos malignos fracassaram.
O método preferido de Bolsonaro é o alarmismo. Ele sugeriu que os efeitos colaterais da vacina eram uma “incógnita” e que não havia um “antídoto” para eles. Colocando-se na posição de uma espécie de tio sábio, ainda que um tio totalmente delirante, ele aconselhou que os pais e responsáveis não se deixassem “levar pela propaganda” em torno da vacinação infantil. “A minha filha de 11 anos não será vacinada,” ele informou à nação de maneira solene. (Que pena dessa pobre criança.)
Mas suas táticas vão além. Ainda que as vacinas de Covid-19 para crianças tenham se provado seguras e eficazes, o governo não mostrou nenhuma pressa em comprá-las. No dia 16 de dezembro, a independente Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tomou a responsabilidade para si e aprovou o uso da vacina da Pfizer em crianças de 5 a 11 anos. Bolsonaro partiu para a ação: disse que a decisão era “lamentável” e “inacreditável.”
Insatisfeito com o simples repúdio, ele então pediu os nomes das autoridades de saúde responsáveis pela aprovação, dizendo que queria divulgar o nome dessas pessoas para que o público pudesse “formar o seu juízo”. Isso foi, para dizer o mínimo, imprudente: nos últimos meses, os diretores da agência receberam centenas de ameaças de morte de pessoas que se opunham à vacinação infantil. (Qual o próximo passo? Linchar profissionais de saneamento? Botar fogo em receitas de penicilina?)
Conforme o ano chegava ao fim, o governo tentou atrasar a campanha propondo uma absurda consulta pública sobre o tema. Também planejava exigir receita médica para a vacinação, imposição que os governadores rejeitaram e que foi depois retirada. Além disso, o Ministério da Saúde continua repetindo que a vacinação infantil é uma “decisão dos pais,” dando a entender que pode não ser uma boa ideia. A cada passo, Bolsonaro tentou obstruir o acesso das crianças à vacinação, como se pegar coronavírus fosse preferível.
Felizmente para nós, ele falhou. A partir de 14 de janeiro, crianças de 5 a 11 anos começaram a receber o imunizante da Pfizer. Ainda que tenhamos uma quantia de doses insuficiente para atender as 20,5 milhões de crianças do país nessa faixa etária, o montante está sendo suplementado pela CoronaVac, a vacina chinesa que tem a vantagem de ser produzida localmente pelo Instituto Butantan. Como em outras campanhas de vacinação do país, podemos esperar uma ávida adesão.
O presidente, porém, não parece ser capaz de aceitar que os brasileiros são “tarados por vacinas,” como ele observou pejorativamente. Por aqui, 82 por cento da população está vacinada com pelo menos uma dose, e mesmo a maioria do público antivacina toma suas doses diligentemente. O comprometimento à vacinação vem dos lugares mais estranhos. No Rio de Janeiro, um vendedor ambulante de certificados falsos de vacinação — alguém de quem se esperaria uma falta absoluta de preocupação com o status vacinal alheio — repreendeu com firmeza um possível comprador. “Agora, o certo é o senhor tomar a vacina, entendeu?” ele disse. “Tem que tomar a vacina.”
É verdade que alguns países estão chegando a diferentes conclusões sobre a importância de vacinar as crianças. Na Suécia, por exemplo, as autoridades de saúde decidiram que não viam um benefício claro para imunizar as crianças de 5 a 11 anos de idade. O principal argumento de Bolsonaro, porém, é que o número de óbitos não justifica o esforço. Bem, de acordo com o Ministério da Saúde, 1.467 crianças menores de 11 anos morreram de Covid-19 — uma parcela pequena dos 632 mil brasileiros que perderam a vida para o vírus, mas um número inaceitável de qualquer jeito.
Além disso, a vacinação não só previne o sofrimento das crianças, mas também protege o resto de nós. As crianças transmitem o vírus; enquanto elas continuarem vulneráveis, todos nós estaremos. E no momento, em meio a uma escalada sem precedentes de casos de Covid-19, os brasileiros estão bastante vulneráveis. Os não vacinados se encontram particularmente em risco, e aqui eles são principalmente crianças. Em São Paulo, registrou-se uma elevação de mil por cento no número de internados em UTIs pediátricas do fim de dezembro para cá.
De modo que o início da campanha de vacinação para crianças acima de 5 anos foi uma fonte de alegria para quase todo mundo — menos para o presidente, é claro. A maior parte das escolas vai retomar as aulas presenciais em fevereiro, após as férias de verão, e será um alívio enorme ver milhões de crianças parcialmente imunizadas.
Minha filha não será uma delas: ela ainda é muito nova para ser vacinada. Mas como família estamos nos sentindo, pela primeira vez em algum tempo, cuidadosamente otimistas. De modo geral, os esforços de Bolsonaro para subverter nosso sistema de saúde falharam. Cada um dos ataques de birra do presidente é um sinal desse fracasso — e, para nós, um motivo de celebração.
Uma versão deste artigo apareceu na edição doméstica do New York Times em 9/2/2022, Section A, Page 19 com a manchete: “Bolsonaro’s Latest Sabotage Efforts Have Failed”.