Uol Esporte
25 de novembro de 2022
por Vanessa Barbara
Acho que é porque quase não vi a Copa passada —estava ocupada exercendo a função de vaca leiteira de um recém-nascido e cochilava ao primeiro som de um hino nacional—, mas foi como se acordasse em 2022 e o futebol tivesse entrado em modo turbo. O que assistimos em campo nos últimos dias é espantoso feito espirro de tartaruga.
Penso em alguns gols da Espanha contra a Costa Rica (placar final: 7 a 0). Marco Asensio parece que fez uma passada de voleibol antes de marcar um golaço, quase sem deixar a bola bater no chão. Do alto de seus 18 anos, Pablo Martín Páez Gavira, o Gavi, parecia um maluco atrasado tentando entrar no vagão do metrô depois que a campainha tocou. No quinto gol da Espanha, ele veio voando de lá do meio do campo feito um coelhinho de desenho animado, deu uma bicuda com o pé direito e não parou de correr até cair no banco dos passageiros preferenciais.
Fico particularmente satisfeita quando o placar já está definido e os jogadores passam a tocar a bola e chutar para o gol sem a menor cerimônia. Tudo parece mais solto. Nos 6 a 2 contra o Irã, a seleção inglesa jogava ao mesmo tempo tranquilamente e em alta velocidade. Bukayo Saka, de 21 anos, só faltou lixar as unhas depois do segundo gol. A França, depois de virar contra a Austrália (placar final: 4 a 1), tocava a bola com facilidade – o passe de Kylian Mbappé de calcanhar fazendo tabelinha com Adrien Rabiot e Olivier Giroud foi um poema.
Ainda assim, o queixo continuava no lugar até que veio o jogo do Brasil contra a Sérvia. Assistindo a sua primeira partida de Copa, minha filha de 4 anos não gostou “daquela parte em que um empurra o outro” e resolveu mexer nas minhas gavetas. Durante o primeiro tempo, ela passou de lá para cá com canetas marca-texto, réguas, papéis e cola, comentando meio indignada: “É tudo pessoa grande que sabe que não pode empurrar!”. Enquanto espremia despreocupadamente um tubo inteiro de cola no papel, chegou a sugerir à Fifa que contratassem a prô Simone como juíza da partida. Depois de seus protestos, o jogo de fato ficou mais tranquilo. Mas, até o momento, eu não estava muito impressionada.
Então veio o segundo gol de Richarlison de Andrade, vulgo Pombo. Aquilo, não tenho dúvida, foi uma referência ao “universo monumental” de Claude Lévi-Strauss e aos “tecidos do espírito humano” de William Faulkner . Em plena pequena área, ele ajeita a bola com o pé esquerdo, vira de costas para o gol (a empáfia!) e manda uma bomba de voleio. O estádio explode em volta. Ele comemora com a seriedade de uma estátua grega.
E assim terminou a primeira rodada da fase de grupos. O queixo está meio deslocado até agora.