Some days you just gotta Conga
#091 – São Paulo, 5 de março de 2024
Edição especial eczema
Tudo é bom
Você sabe o que é tartaruga?
www.hortifruti.org

“E assim, do pouco dormir e muito ler se lhes secaram os miolos, de modo que veio a perder o juízo.”
(Dom Quixote, Miguel de Cervantes)

“Dai-me, Senhor, coragem e alegria/ para escalar o cume deste dia.”
(Jorge Luis Borges)

:: EDITORIAL ::

Talvez os leitores não tenham entendido. A ideia desta Hortaliça tem eflúvios de Punk Rock Creative Commons Copyleft Partido Pirata e Lambada O Ritmo Proibido, tudo junto. Precisamos da colaboração financeira dos assinantes para garantir o suprimento de nossas viçosas verduras, do contrário não haverá mais colheita.

Não iremos fechar o conteúdo em paywall a menos que nos arrastem algemados à la Suplicy até o Deic do Carandiru, para onde iremos gritando: “Free Huey!”, enquanto espalhamos edições gratuitas pelos ares. Esta é a nossa tentativa de conquistar (em termos) os meios de produção, diminuir o peso dos intermediários e ganhar algum tipo de poder sobre nossas vidas; contudo, há leitores com empregos de verdade — tipo cirurgião bucomaxilofacial — que se recusam a respaldar a nossa trupe literária.

A vocês, que as pulgas de mil camelos infestem os seus sovacos (provérbio árabe). E aos demais, nossos efusivos agradecimentos. Lembrando que quem não puder colaborar em espécie pode mandar umas abobrinhas de sua colheita pessoal para tornar a nossa paisagem mais frondosa. O endereço: vmbarbara@yahoo.com.

Em nota não relacionada, o leitor Rodrigo Casarin informa que conhece um porco residente na rua Epaminondas Melo do Amaral, no Imirim, mas não sabe precisar se é o mesmo suíno que foi visto vagando na ladeira da rua Pestana, no Mandaqui, a quase 3 km do local. Continuaremos investigando. Trata-se de mais um de nossos imperativos éticos: apurar e checar os fatos, sem distinguir entre caprinos, ovinos, asininos e muares. (Afinal, passamos os últimos anos cobrindo política brasileira.)

Aproveitamos para esclarecer que, ao contrário do que foi divulgado pela imprensa, A Hortaliça não tem nenhum vínculo com laboratórios de pesquisa ou a indústria farmacêutica. Relatos de que se trataria de uma manobra de marketing para vender psicotrópicos são descabidos.


:: LISTA DE INSULTOS CULTOS ::
Contos Completos, de Liev Tolstói

Que Deus achate esse seu focinho!


:: EU JÁ PEDI DESCULPAS A UMA LIXEIRA ::

O olhar da mente, Oliver Sacks

O dr. P., em contraste, oferecera um aperto de mão a um relógio de pêndulo.


:: TODOS OS FIOS DA POLÍTICA EUROPEIA ::

No caminho de Swann, Marcel Proust

[..] a quem divertia com a narrativa de suas aventuras picantes, por exemplo, que encontrando no trem uma mulher e tendo-a levado para a sua casa, viera a descobrir que se tratava da irmã de um soberano que no momento tinha nas mãos todos os fios da política europeia, da qual assim se inteirava de um modo sumamente agradável; ou que, por um complexo jogo de circunstâncias, ia depender da eleição do Papa que ele se tornasse ou não amante de uma cozinheira.


:: APERFEIÇOAMENTO DA REDONDILHA ::
Tribuna da Trova – Órgão oficial da Academia Guanabarina de Trova nº 6, set. 1965

A Academia Brasileira de Trova, combatida por alguns, será considerada no futuro um dos marcos mais importantes do movimento trovadoresco brasileiro, sobretudo no que se refere ao aperfeiçoamento da redondilha.


:: EI! EI! O VISGO ::
Zelda Fitzgerald, fevereiro/março 1932
Clínica Phipps, Baltimore

Às quatro da madrugada – Bem, tem uma moça que berra “Homicídio qualificado!” quando não está gritando “Oi! Ei! Ei! O visgo”. Imagino que não haja nada para se fazer a respeito — e prefiro isso aos odiosos pronunciamentos tranquilizadores de Mlle. B. e às visitações noturnas do eczema.

Estou lendo o Modern French Painters, de Ian Gordon. Ele fala da sensação de plantar coisas na obra de Van Gogh.


:: PANFLETO DE INSTRUÇÕES ::

Em caso de Homem Branco, gire calmamente a manivela em sentido anti-horário, destrave a porta da Saída de Emergência, golpeie o elemento com o cabo de uma pá e empurre-o para fora da aeronave. Respire normalmente.


:: PARECE-ME QUE SERIA RIDÍCULO ::

Charles Fort

Mais adiante exporemos coisas que apareceram no céu, onde permaneceram — alhures — durante semanas ou meses… Mas não certamente pelo poder de sustentação da atmosfera terrestre. Por exemplo, a tartaruga de Vicksburg. Parece-me que seria ridículo pensar numa tartaruga de respeitáveis dimensões que permaneça por 3 ou 4 meses suspensa apenas pelo ar, sobre a cidade de Vicksburg.


:: A MULHER SEM CABEÇA ::
O flâneur: Um passeio pelos paradoxos de Paris, Edmund White

A amante [de Baudelaire], uma atriz chamada Jeanne Duval, morava na rue de la Femme-sans-Tête [rua da mulher sem cabeça], hoje rue La Regrattier. A rua tinha esse nome por causa de uma placa diante de uma estalagem exibindo a figura de uma mulher sem cabeça e o slogan “Tudo é bom”, significando que tudo estava bem quando se lidava com uma mulher sem cabeça.


:: FOFOCAS ESPARSAS ::

Cobrador do 208-M comentando com motorista sobre outro cobrador da linha: “Agora o Almir traz copo descartável para dar café pros passageiros”.


:: IMPRECAÇÃO ::

Ninguém quis ver, Bruna Mitrano

que a chuva poupe as telhas pobres
e mais nada


:: OMAR NA MPB ::

Colaboração de Nayra Dmitruk, em 2012

[…] Aprecio seu esforço para divulgação das cantigas de avô, avó e alergia. Entretanto, uma dúvida vem tirando meu sono: podemos considerar o Omar como um personagem folclórico-popular musical brasileiro?

A substituição do Omar por “o mar” durante a ditadura colabora com o seu quase anonimato. Mas podemos mencionar também a inconstância de sua natureza, que dificulta o trabalho dos pesquisadores que tentam traçar um perfil do Omar.

Ocasionalmente, por exemplo, é um gigante devorador de homens:

“Não deixe Omar te engolir
Não deixe Omar te engolir
Não deixe Omar te engolir
Não deixe Omar te engolir ohhh yeah ohhh”
(BROWN JR., Charlie)

Que possui cabelos coloridos:

“É doce morrer no Omar
Nas ondas verdes do Omar”
(CAYMMI, Dorival)

Mas também pode ser apresentado como um escravo:

“Te dei o sol, te dei Omar
Pra ganhar teu coração”
(SANTANA, Luan)

Ou como um grandessíssimo mulherengo:

“Madalena foi pr’Omar
E eu fiquei a ver navios
Quem com ela se encontrar
Diga lá, no alto Omar
Que é preciso voltar já
Pra cuidar dos nossos filhos”
(BUARQUE, Chico)

“Omar serenou quando ela pisou na areia
Quem samba na beira do Omar é sereia”
(NUNES, Clara)

“Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça
É ela a menina que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do Omar”
(JOBIM, Tom)

Omar também pode integrar relações sadomasoquistas:

“Omar
Quando quebra na praia
É bonito, é bonito”
(CAYMMI, Dorival, Omar”

Ou possuir fetiches atípicos:

“Omar passa saborosamente a língua na areia
Que bem debochada, cínica que é
Permite deleitada esses abusos d’Omar”
(MATOGROSSO, Ney)

[…]

:: BELÍSSIMO NARIZ DE CERA ::
Kevin Delaney, em matéria de 31 de outubro de 2011
Encarte The New York Times/Folha de S.Paulo

Os cães sabem apreciar os prazeres simples da vida, quer estes sejam fuçar no lixo, rolar em algas marinhas em decomposição ou farejar os traseiros uns dos outros.


:: COMO VOCÊ SE SENTE? ::
Colaboração de Ricardo Alpendre, uns cinco anos atrás

Descobriram um sítio arqueológico lá na Paraíba, com pegada de dinossauro e tudo. Aí perguntaram a um agricultor: “Como você se sente sabendo que o lugar onde mora foi povoado por dinossauros?”

“Ah, não sei. Não é do meu tempo.”


:: ENQUANTO ISSO, NO MANDAQUI… ::

:: MAIS ZELDA ::
Querido Scott, Querida Zelda
Outubro de 34, Hospital Sheppard e Enoch Pratt, Towson, Maryland

Meu querido Do-Do —

Obrigada pela carta. Como você está aos poucos se dissolvendo numa figura mítica devido ao longo período de anos que se passaram desde duas semanas atrás, vou lhe contar a respeito de mim:

1) Estou me sentindo só.
2) Não tenho parentes nem amigos e gostaria de conhecer um guerreiro malaio
3) Eu não cozinho, não costuro e não causo aborrecimentos pela casa.

O Hospital Sheppard Pratt está situado em algum lugar do sertão da consciência humana e pode ser localizado a qualquer hora entre a aurora da consciência e o início da velhice.

Querido: A vida é difícil. São tantos os problemas. 1) O problema de como permanecer aqui e 2) O problema de como sair daqui. E eu quero tanto ir à Guatemala e andar de bicicleta até o fim de uma longa estrada branca. Uma estrada margeada por cedros-do-líbano e choupos, com esplendores antiquíssimos se desfazendo na encosta dos morros esturricados de sol e nativos dormindo à sombra, junto a um enorme muro cinzento.


:: O ESTILO ::

A queda, Albert Camus

O estilo, assim como a mais fina seda, muitas vezes serve para esconder o eczema.


:: DEPOIMENTO DE UM TRANSEUNTE ::

Durante a crise de água em São Paulo

Nós estamos fazendo de tudo. Eu nunca fui de tomar banho.


:: PUBLIPOST ::

Dica de compras para viajantes no tempo

Extinction Preparedness Time Badge
https://timetravelmart.com/


:: DOENÇAS DE UMBIGO ::
A assustadora história da medicina, Richard Gordon

Anton Chekov (1860-1904) foi considerado pela mídia “o único capaz de usar o material da medicina e elevá-lo aos níveis de grande arte. Fora isso, a medicina geralmente cria escritores medíocres”. Osborne Henry Mavor (1888-1951) escreveu sobre o pseudônimo de James Bridie peças prolixas como O anatomista e um artigo definitivamente científico sobre o centro anatômico, O Umbigo, que, segundo ele descobriu, pode ser atacado por oito doenças.


:: PINÇANDO NARIZES ::
O homem que fazia chover — e outras histórias inventadas pela mente, Edson Amâncio

Doutor, assisti com muito interesse à sua palestra e gostaria de saber se uma coisa que faço rotineiramente pode ser sinal de TOC. Já faz mais de 20 anos, quando encontro alguma pessoa conhecida que não vejo há certo tempo, esteja ela onde estiver — na rua, na casa de parentes, na casa de amigos —, tenho o hábito de pinçar-lhe o nariz com os dedos. Faço isso de maneira natural e espontânea, mas antes reluto muito. Tento desviar meu pensamento e às vezes até procuro evitar a pessoa, pois sei que aquele hábito não é correto. Mas ele é mais forte que eu. É como se fosse um cmprimento, um alerta ou até uma reprimenda. É como se eu quisesse dizer: “Puxa! Há quanto tempo não nos vemos!” Sinto que preciso tocar o nariz da pessoa. Às vezes, sou mal compreendida, mas, para mim, é muito difícil deixar de fazer isso. Sempre que evito — e todas as vezes tento evitar, mas não consigo —, sinto uma grande angústia. É um verdadeiro desespero que procuro dissimular. Nem sempre consigo.


:: CLASSIFICADOS ::
Colaboração de Bruno Brasil

Diário de Notícias, 1 de janeiro de 1890
CARTOMANTE e somnambula, única. Mme. Josephina, a primeira e mais antiga; na Rua de S. José n. 67. 

Diário de Notícias, 3 de janeiro de 1890:
DOUTOR CORSÁRIO – ispecialista nas doenças do bolso em camas i colxães i PINICOS. Assembléia 75 – 70 i sinco heim?!! Rua Sorocaba n. 1 (Botafogo).

:: NOME PRÓPRIO ::
Ninguém quis ver, Bruna Mitrano

o vassoureiro
o moço da pipoca
o feirante
o catador de latinhas
a voz do carro do pão
o rapaz morto ontem
o garçom
o motorista da van
o camelô
não têm nome próprio

os animais de rua também
não têm nome próprio
nem ocupam cargos públicos
a mulher nunca tem nome próprio
é a mulher do Fulano

a minha avó não teve nome próprio
os filhos a chamavam de mãe
eu a chamava de vó
e ela sempre atendia

a minha avó me ensinou
a atender prontamente
e a morrer sozinha

ela também me ensinou
a degolar franguinhos
e que as mulheres são sempre
propriedade de alguém

menos as que matam o marido
e fogem com a cabeça
numa sacola de mercado

essas ganham nome
nos jornais
e ameaçam o anonimato
das mulheres que em breve
vão aprender
a degolar franguinhos.


:: RECEITA PARA QUALQUER COISA ::
Levels of Live, Julian Barnes

Naqueles primeiros meses, quis assistir esportes com os quais não tinha o menor envolvimento emocional. Eu gostava – embora o verbo seja forte demais para descrever esse tipo de apreciação letárgica – de assistir partidas de futebol entre, digamos, Middlesbrough e Slovan Bratislava (de preferência a partida de volta de uma série cujo início eu havia perdido), na disputa de algum campeonato europeu de segundo escalão que empolgava principalmente aos nativos de Middlesbrough e Bratislava.


:: DAR COMBATE AO MAL E VENCEL-O (?) ::
Revista da Semana, Jornal do Brasil, novembro de 1900

:: AUTOAJUDA ::
Da série Homicide: Life on the Street (1993, Paul Attanasio)

No bar, dois policiais conversam sobre um traficante que não conseguiram prender.

— Mas e agora?
— Agora o quê?
— Luther Mahoney.
— Bem, nós vamos continuar trabalhando nisso.
— É essa a resposta?
— Isso, é a resposta pra tudo. Trabalho policial, casamento, felicidade, amizade, vida.

(E aí entra o Tom Waits e canta: 

“There’s a ribbon in the willow and a tire swing rope
and a briar patch of berries takin’ over the slope
the cat’ll sleep in the mailbox and we’ll never go to town
til we bury every dream in the cold cold ground…”)

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Agradecimentos: Adriano Marcato, Bruno Brasil, Nayra Dmitruk, Ricardo Alpendre.


“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo)  ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para vmbarbara@yahoo.com e diga na linha de assunto: “Foi demais para Kudno Mojesic”, mesmo que você não seja – e nem queira ser – Kudno Mojesic.

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