5 livros sobre depressão e outros transtornos mentais

Postado em: 17th maio 2024 por Vanessa Barbara em Artigos
Foto: Pablo Saborido

A convite da seção “Favoritos”, a escritora Vanessa Barbara indica cinco livros que tratam da depressão e outros transtornos mentais.

Nexo Jornal
3 de maio de 2024

por Vanessa Barbara

Dizem que há escritores que passam a vida reescrevendo o mesmo livro, ou seja, falando sobre os mesmos temas de formas ligeiramente distintas. Se isso é verdade, meus assuntos fundamentais seriam: tartarugas, leguminosas, feminismo, transporte público, astronomia e depressão. (Um dia ainda vou escrever uma obra definitiva juntando todos esses tópicos.)

Quem sofre de transtornos mentais conhece a dificuldade de se expressar direito, e por isso há algo de reconfortante em saber que outra pessoa entende o que se passa e está fazendo o melhor possível para explicá-lo. Por exemplo: o escritor Andrew Solomon diz que, “na depressão, o ar parece espesso e resistente, como que cheio de massa de pão”. Tudo o que foi rápido se torna lento. A depressão é a ausência de sentido vital de propósito e o embotamento de sensações, e talvez só seja possível descrevê-la com a ajuda da literatura.

Enquanto eu escrevia o romance “Três camadas de noite” – sobre depressão, maternidade e trabalho literário – revisitei algumas das minhas obras preferidas nas áreas de depressão e outros transtornos mentais, que me dão essa sensação valiosa de ser estranhamente compreendida. 

A redoma de vidro
Sylvia Plath (Trad. Chico Mattoso, Biblioteca Azul, 2019)

Nesse clássico da ficção contemporânea, a escritora norte-americana reconta seu primeiro episódio depressivo, ocorrido em 1953, aos 20 anos de idade, após uma desalentadora temporada de estágio em Nova York. Inicio esta lista com um romance, e não com um livro de não ficção, porque Plath consegue descrever muito bem como é a sensação de estar deprimida, guiando o leitor em sua vertiginosa descida ao abismo. Gosto sobretudo do trecho em que a narradora, Esther Greenwood, relata a inutilidade de lavar os cabelos: “Parecia idiota lavá-los um dia quando eu teria de lavá-los de novo no outro dia. Eu ficava cansada só de pensar. Queria fazer tudo de uma vez e acabar logo com isso” [tradução minha, de uma edição de 2008 da Faber & Faber].

O demônio do meio-dia: Uma anatomia da depressão
Andrew Solomon (Trad. Myriam Campello, Companhia das Letras, 2018)

Uma espécie de enciclopédia da depressão, leitura obrigatória para quem se interessa pelo tema. No livro, o escritor expõe seu vínculo pessoal com a doença e faz uma investigação de sua incidência, manifestação, sintomas e tratamentos. “Viver com depressão é como tentar manter o equilíbrio enquanto dança com um bode”, define.

Solomon explica que a depressão começa pela insipidez, enevoa os dias num tom sépia e então enfraquece ações ordinárias até que suas formas claras sejam obscurecidas pelo esforço que exigem, nos deixando cansados, entediados e obcecados por nós mesmos. Há uma passagem sobre a dificuldade que o autor tem para se levantar da cama e ir tomar banho, antecipando cada passo e por fim desistindo da tarefa: “No mundo inteiro as pessoas tomam banho. Por que eu não podia ser uma delas?”.

Meus tempos de ansiedade 
Scott Stossel (Trad. Donaldson M. Garschagen e Renata Guerra, Companhia das Letras, 2014)

Editor da revista The Atlantic, o jornalista norte-americano Scott Stossel costura ciência, história e autobiografia em um extenso perfil da ansiedade. Foi com Stossel que aprendi que Charles Darwin era tão ansioso que tinha ataques prolongados de vômito, que os babuínos de baixo status na hierarquia social estão sempre estressados e que a romancista austríaca Elfriede Jelinek, ganhadora do Nobel de Literatura de 2004, faltou à cerimônia de entrega por causa de sua fobia social aguda.

Até hoje me lembro, em detalhes, de um episódio extremamente constrangedor em que Stossel entope o banheiro de uma mansão em Cape Cod, enrola uma toalha na cintura, tenta sair sem ser visto e encontra John F. Kennedy Jr. no corredor. Tento manter isso em mente sempre que preciso participar de algum evento social. 

Bem que eu queria ir
Allen Shawn (Trad. Caetano Galindo, Companhia das Letras, 2009)

Bela obra de referência para os fóbicos. O compositor e escritor norte-americano confessa ter medo de altura, água, campos abertos, estacionamentos, túneis, elevadores, metrôs, pontes e estradas desconhecidas. Sua agorafobia serve de base para uma investigação mais ampla sobre as fobias e a psicologia do medo. Um dos méritos deste livro é que acaba expondo a relação direta entre nossas fraquezas e aquilo que somos. Referindo-se ao pai (o lendário editor William Shawn, da revista The New Yorker), o autor diz: “O paradoxo é que, sem suas fobias, ele não teria chegado aonde chegou. Podia muito bem ter chegado a outros lugares; que possivelmente poderiam lhe ser mais compensadores, mas não lá, onde se revelou tão competente.”

Shawn explica que o conceito de fobia abrange todo um elenco de temores sociais, que podem ir da especificidade (ficar trancado em um armário de lavanderia) à generalização (todo confinamento de qualquer espécie). Há fobias que se assemelham simplesmente a um medo de estar neste planeta: o medo da luz (fotofobia), do ar (aerofobia), e, para cúmulo da ciclicidade, o medo de adquirir fobia (fobofobia).

O corpo guarda as marcas
Bessel Van Der Kolk (Trad. Donaldson M. Garschagen, Sextante, 2020)

A grande novidade no campo da não ficção psiquiátrica é este livro sobre estresse pós-traumático. Com base em sua experiência clínica de mais de 30 anos, o psiquiatra holandês descreve como as experiências traumáticas podem reformular nossa fisiologia, recalibrando o sistema de alarme do cérebro, aumentando a atividade dos hormônios do estresse e acarretando todo tipo de distúrbios mentais. Suas sugestões de tratamento não parecem tão revolucionárias – ele sugere a prática de ioga, artes marciais e qigong, com o objetivo de ensinar visceralmente o corpo de que ele está de volta ao controle. Em todo caso, a lógica de seu raciocínio é interessante o suficiente para causar um grande e merecido impacto na literatura sobre depressão.

Encerro a lista com algumas menções honrosas: “Darkness Visible”, de William Styron; “Por que as zebras não têm úlceras”, de Robert M. Sapolsky; “A Cure for Darkness”, de Alex Riley; “Touched with Fire”, de Kay Redfield Jamison; “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf; The “Upward Spiral”, de Alex Korb; e “The Master and His Emissary”, de Iain McGilchrist. (Este último é mais sobre o cérebro, mas eu super recomendo para os fortes de espírito.)


Vanessa Barbara é jornalista e escritora, autora de Três camadas de noite (Fósforo, 2024). Publicou outros nove livros, como Noites de alface (Alfaguara, 2013), ganhador do Prix du Premier Roman Étranger, na França, e O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008), vencedor do Prêmio Jabuti de Reportagem. Colabora com a New York Review of Books e The New York Times. Escreve o almanaque A Hortaliça no Substack.