A Hortaliça – #096

Postado em: 15th julho 2024 por Vanessa Barbara em Hortaliças, Sem categoria

Sorrindo para as batatas

#096 – São Paulo, 15 de julho de 2024
Para aqueles que só pensam na equação de Boltzmann
www.hortifruti.org

Um verdadeiro fracasso não precisa de justificativa. É um fim em si mesmo.
(Gertrude Stein)

“Destinados, como Aristodemos, o Trêmulo, e Roberto Durán, à vergonha e à humilhação?”
(Scott Stossel)

:: EDITORIAL ::

Certo dia, Henry James entendeu que não conseguiria bancar sua vida luxuosa na Europa trabalhando com esmero, então decidiu escrever mais rápido. Na época, morava em um quarto com varanda no Hôtel de Rome; o sol batia na janela aberta e ele se sentava em uma escrivaninha de frente para a Via del Corso. Fico imaginando o jovem aristocrata abusando nos advérbios, empregando todo tipo de chavão, redigindo capítulos muito curtos e inventando o clickbait. Ele mal conseguiria olhar para o que escreveu enquanto estava no processo — talvez prendesse a respiração enquanto trabalhava. Imagino também que ele tivesse de tomar vários banhos demorados depois. Essa intenção de escrever mais rápido não parece ter durado muito.

Em todo caso, este editorial é dedicado a ele.


:: OS PROVENTOS DE HENRY JAMES ::

Percy LubbockPortrait of Edith Wharton

Certa vez, [Edith] Wharton mencionou que o automóvel onde eles estavam havia sido adquirido com os proventos de seu romance mais recente. “Com os proventos do meu romance mais recente”, disse Henry James de forma reflexiva, “eu comprei um pequeno carrinho de mão, no qual a bagagem dos meus convidados é transportada da estação de trem até a minha casa. Ele está precisando de uma demão de tinta. Com os proventos do meu próximo romance eu devo mandar pintá-lo.”


:: DIÁRIOS ::
Franz Kafka, Diaries

13 V (1922) 
Nada

17 (Maio 1922)
Triste


:: A EQUAÇÃO DE BOLTZMANN ::
Scott DodelsonModern Cosmology

Nos anos 1960, uma revista de circulação nacional publicou um cartum que mostrava dezenas de executivos caminhando pelas ruas de Manhattan com um ar muito importante e sério. Sobre cada uma daquelas cabeças, balões de pensamento revelavam seu verdadeiro foco: todos estavam imaginando cenas de sexo selvagem. Pelo menos em alguns aspectos, a equação de Boltzmann desempenha um papel semelhante para físicos e astrônomos: ninguém nunca fala sobre isso, mas todos estão sempre pensando no assunto.


:: MEMÓRIA POR MEMÓRIA ::
Olga RavnMy Work

Devo resgatar como de um incêndio as partes que ainda são importantes para mim, as partes que escrevi enquanto ainda estava lá, como se o tempo fosse uma fogueira que devorasse, memória por memória, a pessoa que fui para que eu não me lembre mais, muito menos entenda, o que aconteceu.


:: SE A GENTE NÃO GRITA NA HORA ::

Tatiana Salem Levy, Melhor não contar

Há coisas que, se a gente não grita na hora, num ataque de raiva, virando o mundo pelo avesso, elas se encrustam na gente, se agarram aos nossos órgãos, com unhas afiadas, e vão ganhando solidez e imobilidade com o passar do tempo — fazendo com que se torne cada vez mais difícil a sua transformação em palavras.


:: HOMENS TOLOS EM CONVERSÍVEIS ::

Miranda July, All Fours

Ainda que as crises de meia-idade possam ser apenas mal vistas, é possível que cada uma delas tenha sido profunda e única, e foram só alguns poucos homens tolos em conversíveis vermelhos que lhes deram má fama. Imaginei cumprimentar um homem desses de forma solene: “Vejo que você chegou a um momento de grandes questionamentos. Deus esteja com você, buscador”.


:: EU CHUTARIA UNS 30% ::

Abigail Tucker, Mom Genes

Ainda mais impressionante é que os cérebros das novas mães pareciam muito diferentes dos seus antigos cérebros, conforme tomografias tiradas antes de engravidarem. Essas perdas de massa cinzenta podem totalizar até 7% em algumas mães, descobriu outro estudo. Mudanças dessa magnitude são praticamente inéditas em humanos adultos, com a possível exceção de sobreviventes de traumatismos cranianos.


:: NA MÉDIA ::

Matt Parker, Humble Pi

Após o censo de 2011, o Instituto Australiano de Estatísticas revelou quem era o australiano médio: uma mulher de 37 anos que, entre outras coisas, “mora com o marido e os dois filhos (um menino de 9 e uma menina de 6 anos) numa casa com três quartos e dois carros no subúrbio de uma das capitais da Austrália”. E então descobriram que essa mulher não existe. Eles vasculharam os registros e nenhuma pessoa atendeu a todos os critérios para ser considerada verdadeiramente mediana.


:: TIPO ISSO ::

Stephen PileThe Ultimate Book of Heroic Failures

[Sobre o filme Offending Angels, de 2000]

Menos de vinte pessoas no Reino Unido pagaram para assisti-lo. Tirando os impostos e a comissão dos cinemas, o filme teve uma renda total de bilheteria de 17 libras.


:: MAIS UM BOM EXEMPLO ::

Stephen PileThe Ultimate Book of Heroic Failures

Depois da partida contra o Irã, metade do time das Maldivas foi até o técnico, Romulo Cortez, e disse que queria desistir do futebol.


:: SORRIA PARA AS BATATAS ::

T. Lobsang RampaLuz de vela

Uma porção de gente acredita que plantas evoluem e se tornam animais e os animais evoluem para se tornar seres humanos, mas isso não é verdade. Você nunca ouviu falar de um cavalo que virou vaca, não é, nem de uma alface que virou pássaro. (…) Portanto a evolução é essa: uma couve pode não ter muita consciência nesta Terra, mas assim mesmo as couves podem reconhecer as pessoas e as emoções. (…) A moral disso parece ser: sorria para as suas batatas e elas crescerão melhor para você!


:: CONFESSIONÁRIO DO AUTO-COMPLETE ::

Leslie JamisonSplinters

Toda vez que um amigo pesquisava alguma coisa no meu computador, meu sovaco pinicava de suor. O que poderia surgir do confessionário do meu preenchimento automático? Talvez aquelas madrugadas passadas assistindo a vídeos do Coro do Tabernáculo Mórmon no YouTube. Todos esses homens brancos de terno cantando “Amazing Grace”, como se fosse um escritório cheio de corretores de hipotecas convocados para o arrebatamento. Às vezes eu imaginava meu terapeuta dizendo: “Talvez você devesse começar a beber de novo?”.


:: MAIS DEPRESSÃO PÓS-PARTO ::
Olga RavnMy Work

Enquanto estiver escrevendo este livro, acho que permanecerei num estado de depressão pós-parto. Não escrever o livro é permanecer nessa ansiedade. Não escrever o livro é dar poder ao medo das palavras. Não escrever é não se tornar mãe, permanecer para sempre no limiar da maternidade. Escrever é entrar de cabeça nisso. Vamos ver o que há ali dentro. Ali está o meu destino. Ser mãe de alguém de hoje até eu morrer.


:: DIÁRIOS ::

Franz Kafka, Diaries

22 (Setembro 1917)
Nada

17 I (1922)
Pouco diferente


:: ESPIRITUALMENTE FALANDO ::

Heidi JulavitsThe Folded Clock

Talvez ela achou que engataria uma conversa mais interessante com um estranho que conheceu na universidade, em vez de alguém que conheceu, digamos, no Carnegie Deli. Qual é o lugar do homem no universo? O que determina o destino do indivíduo? Onde, espiritualmente falando, fica o metrô mais próximo?


:: OVOS PODRES ::

Mihaly CsikszentmihalyiFlow

Um amigo que gosta de cruzar oceanos sozinho em um veleiro me contou certa vez uma anedota que ilustra até onde os navegantes solitários às vezes têm de ir para manter a mente focada. Aproximando-se dos Açores numa travessia do Atlântico em direção ao leste, a cerca de 1,2 mil km da costa portuguesa, e depois de muitos dias sem ver um navio, ele avistou uma outra pequena embarcação seguindo na direção oposta.

Era uma oportunidade bem-vinda de visitar outro navegador, e os dois barcos recalcularam as rotas para se encontrar em mar aberto, lado a lado. O homem do outro barco esfregava o convés, que estava parcialmente coberto por uma substância amarela pegajosa e fétida. “Como você sujou tanto o seu barco?”, perguntou o meu amigo para quebrar o gelo. “Veja bem”, o outro respondeu, encolhendo os ombros, “é só um monte de ovos podres”. Meu amigo admitiu que não lhe parecia claro como tantos ovos podres acabaram espalhados pelo convés de um barco no meio do oceano.

“Bem”, disse o homem, “a geladeira quebrou e os ovos estragaram. Faz vários dias que não há vento e eu estava ficando muito entediado. Então pensei que, em vez de jogar os ovos ao mar, poderia quebrá-los no convés para poder limpá-los depois. Deixei-os estragar por um tempo para que ficasse mais difícil limpá-los, mas não imaginei que cheirassem tão mal”.


:: DEDICATÓRIA EM UM LIVRO ::

“Este livro é uma das coisas mais idiotas que eu já li na vida” (assinatura indecifrável)

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Agradecimentos: Adriano Pereira Bastos, Giovane Salimena, Paulo Henrique Martins.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

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