A Hortaliça – #095

Postado em: 4th junho 2024 por Vanessa Barbara em Hortaliças

Tão alegre quanto assistir a uma autópsia

#095 – São Paulo, 4 de junho de 2024
Oito em pé, vinte sentados
A mulher mais perigosa do hemisfério
www.hortifruti.org

“As duas capas deste livro estão distantes demais uma da outra.”
(Ambroce Bierce)

“Tão alegre quanto assistir a uma autópsia”
(Variety)

:: EDITORIAL ::

Enfim estão chegando as resenhas de Três camadas de noite.* Há nelas um entusiasmo que há muito não se via em matéria de literatura: a escritora Dorothy Parker teria dito que “não é um romance para ser deixado de lado graciosamente. Deve ser arremessado para longe com enorme força”.

Dois ou três dias após a data oficial de lançamento, antes mesmo que a maioria dos leitores recebesse seus exemplares, um anônimo avaliou a obra com uma estrela na Amazon, expressando todo o seu ardor pela capa. Pouco depois, o livro saiu repentinamente da categoria “não ficção” e foi realocado para “ficção” — já não se descarta a reclassificação póstuma como “poesia” ou simplesmente “horror”. A estupefação é completa.

Em artigo para um jornal de grande circulação, Dylan Thomas até procurou ser gentil: afirmou que o romance “não é nada mais do que moderadamente bom. Colocaria esse livro ao lado dos poemas de Matthew Arnold só para ver que barulho delicioso ambos fariam se os atirasse num rio”.

Outro comentador garantiu que ler Três camadas de noite em voz alta era como ouvir “um bando de ratos sendo lentamente torturados até a morte, enquanto, de vez em quando, uma vaca moribunda mugia”. Por fim, e ainda na metáfora bovídea, disseram-nos que era “como ficar encarando uma vaca por quarenta e cinco minutos”.

Estamos profundamente satisfeitos com a recepção apaixonada da obra e rogamos para que continuem nos enviando suas impressões. Há um erro na página 69, por exemplo, e um fio de cabelo permanentemente enrolado entre a orelha e a quarta capa. Fora isso, trata-se de um livro (216 páginas) perfeitamente capaz de parar em pé.

Instagram: @vmbarbara
Link para comprar o livro: FósforoAmazonEstante VirtualTravessaMartins FontesLeonardo Da VinciDois Pontos

:: A MULHER MAIS PERIGOSA DA ALEMANHA ::
Matt ParkerHumble Pi

De 1993 a 2008, a polícia alemã procurou a misteriosa “fantasma de Heilbronn”, uma mulher que havia sido relacionada a quarenta crimes, incluindo seis assassinatos; seu DNA foi encontrado em todas as cenas dos crimes. Dezenas de milhares de horas policiais foram gastas à procura da “mulher mais perigosa da Alemanha” e houve uma recompensa de 300 mil euros pela sua cabeça. Acontece que era uma mulher que trabalhava na fábrica dos cotonetes utilizados ​para coletar​ as evidências de DNA.


:: A CABRA ::
Jonathan RottenbergThe Dephts

Não podemos ter certeza de que a cabra se sente bem quando come, embora pareça extraordinariamente provável que sim.


:: DEMISSÃO ::

Scott StosselMy Age of Anxiety

Certa vez, deparei-me com um relato na literatura clínica de uma mulher que fingiu estar doente e faltou a um banquete da firma onde receberia um prêmio pelo desempenho excepcional, pois a perspectiva de ser o centro das atenções a deixava muito nervosa. Depois de ela ter faltado ao jantar, um pequeno grupo de colegas planejou uma recepção mais íntima em sua homenagem. Ela pediu demissão para não ter de comparecer.


:: GOSTOU DO LIVRO? ::
Tom RachmanThe Rise and Fall of Great Powers

“Você gostou desse livro?”, ele perguntou.
“Achei um lixo total.”
“Que droga. Por que o recomendou?”
“É tão horrível que pensei: Tooly tem que ler isso.”
“Você é a única pessoa, Fogg, que recomenda um livro porque o odiou.”


:: O RECEIO ::
Cory DoctorowInformation Doesn’t Want to Be Free

Esse é o meu receio: que a tecnologia amplie o poder dos poderosos – não apenas dos governos, mas das gravadoras, dos estúdios de cinema e dos intermediários online que moldam cada vez mais a esfera criativa – para o prejuízo de todos os demais.


:: NADA NA VIDA ::
Daniel KahnemanRápido e devagar

Nada na vida é tão importante quanto você pensa que é quando você está pensando a respeito. 


:: O PERSERVERANTE DO 175-P ::


:: A FUNÇÃO METAFÍSICA DOS PIOLHOS ::
Sarah Ruhl100 Essays I Don’t Have Time to Write

Talvez seja essa a função metafísica dos piolhos. Para nos lembrar de nossa necessidade mútua.


:: OS SOLAVANCOS SORTIDOS ::

Sérgio PortoO homem ao lado

[…] nos bons tempos em que só valia viajar sentado. Depois veio a ordem para os oito em pé, e lá viemos nós — os do ônibus — a compartilhar com um número maior de almas irmãs os solavancos sortidos que a prefeitura proporciona aos moradores desta cidade, através de seus bem cuidados buracos. Mas, lá um dia, um sábio qualquer, das chamadas classes dirigentes, fez cair a portaria dos oito em pé. O oito caiu, ficou deitado, e como um oito deitado é o símbolo do infinito, nasceu a suposição de que, nos ônibus, há sempre lugar para mais um. 


:: RESENHA ANÔNIMA ::
Matthew ParrisScorn

Chuang Tzu nasceu no ano quatrocentos antes de Cristo. A publicação deste livro em inglês, dois mil anos após sua morte, é sem dúvida prematura.


:: PAI NOSSO, QUE ESTAIS NO MANDAQUI ::
Mary NorrisBetween You & Me

Um excelente exemplo de cláusula que todos conhecem e que pode ser restritiva ou não restritiva está no Pai Nosso: “Pai Nosso, que estais nos céus” (Mateus 6:9). Esse “que estais nos céus” é restritivo ou não restritivo? Onde está Deus? Acredito que não é restritiva, como indica a vírgula antes de “que”; isto é, a frase “que estais nos céus” não define o Pai, apenas diz onde ele mora. É como se você pudesse inserir “aliás”: “Pai Nosso, que, aliás, reside nos céus” – exceto que “Pai Nosso” é vocativo, o termo gramatical para tratamento direto. No discurso direto não há necessidade de dizer a Deus onde ele está. No contexto original, Jesus ensinou esta oração aos seus discípulos. Se não houver vírgulas, a implicação é que quem está orando tem outro pai (José?). Portanto, é concebível que Cristo pretendesse que a frase “que estais nos céus” fosse restritiva, para identificar o pai celestial em oposição ao pai terreno.

[…] Deixando a teologia de lado por um momento, eu poderia dizer, falando por mim e por meus irmãos, “Pai Nosso, que estais em Cleveland”.


:: PICOLÉ DE ABACAXI ::
Zadie Smith, “Joy”

Mesmo a grande ansiedade de escrever pode ser acalmada durante os oito minutos que leva para comer um picolé de abacaxi.


:: DESCOBRIR QUE AINDA É DIA ::
Janet Malcolm41 inícios falsos

(Sobre as irmãs Vanessa Bell e Virginia Woolf)

Vanessa escreve muito bem, não só quando está comendo alguém vivo, como Madge Vaughan, mas em todo o volume de suas cartas. “Você tem um dom para escrever cartas que está acima da minha capacidade. Alguma coisa inesperada, como dobrar uma esquina num jardim de rosas e descobrir que ainda é dia”, Virginia escreve a ela em agosto de 1908, e a descrição é correta. Sobre suas próprias cartas, disse Virginia: “Ou sou demasiado formal, ou demasiado febril”, e também está correta nisso. Virginia era a grande romancista, mas Vanessa era a escritora nata de cartas; ela tinha um dom para escrevê-las. […]


:: RENÚNCIA ::
Matthieu RicardThe Art of Happiness

Um provérbio tibetano diz: “Falar com alguém sobre renúncia é como bater no nariz de um porco com uma vara. Ele não gosta nem um pouco disso”.


:: EU PEDIRIA UM ESTÔMAGO DE DOCES ::

Caitlin MoranHow To Be a Woman

“De qualquer maneira, não quero ter filhos”, diz Caz. “Então não estou ganhando nada com isso. Quero que todo o meu sistema reprodutivo seja retirado e substituído por pulmões sobressalentes, para quando eu começar a fumar. Eu quero essa opção. Isso não tem sentido.”


:: SOU UM BULE DE CHÁ ::

Matt ParkerHumble Pi

Sempre hilários, os engenheiros de software designaram o código de erro 418 como “Sou um bule de chá”. Ele é retornado por qualquer bule com acesso à internet ao qual é enviada uma solicitação para fazer café. Foi introduzido como parte do lançamento de 1998 das especificações do Hyper Text Coffee Pot Control Protocol (HTCPCP). Originalmente pensados como uma piada do Dia da Mentira, os bules conectados foram posteriormente fabricados e operados de acordo com o HTCPCP. Uma tentativa de remover esse erro em 2017 foi derrubada pelo Movimento Save 418, que o preservou como “um lembrete de que os processos subjacentes aos computadores ainda são feitos por humanos”.


:: A VAQUINHA ELSIE ::
Alice MunroThe Progress of Love

Ele recortava fotos de revistas e as pendurava pelas paredes do quarto — não fotos de garotas bonitas seminuas, mas apenas de coisas que lhe agradavam: um avião, um bolo de chocolate, a vaquinha Elsie.


:: UM ANO POLITICAMENTE DIFÍCIL ::
Michael Schulman sobre Julio Torres, na New Yorker

Quando criança, contaram-lhe a verdade sobre o Papai Noel — foi um “ano politicamente difícil de navegar”, já que algumas crianças ainda acreditavam — e esperava que uma revelação semelhante sobre Deus se seguisse, mas isso nunca aconteceu.


:: O ROMÂNTICO DO 177-H ::

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*As ofensas de maior gabarito foram retiradas da coletânea Scorn, de Matthew Parris.
Agradecimentos: Paulo Henrique Martins, Google Translator.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

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