Preparações

Por Vanessa Barbara

Nas editoras, o preparador de originais é aquela pobre alma responsável pela primeira revisão de um livro, ainda no computador. É a mais trabalhosa, que busca limpar o texto, corrigi-lo e aperfeiçoá-lo. O trabalho de preparação consiste em adequar o original às normas editoriais, seguindo um gigantesco manual de padronização que dispõe sobre citações, versaletes, colocação pronominal, pontuação, galicismos, siglas, topônimos estrangeiros e coisas como o singular de “gnocchi”, que é “gnocco” e não pode ser aportuguesado para “inhoco”.

Trata-se de uma leitura atenta, escorada por vasto material de apoio e dicionários vernáculos. Inúmeros detalhes devem ser considerados — itens como sintaxe, coerência, ortografia, ambiguidade, repetição desnecessária, vícios de linguagem, ecos de língua estrangeira, falsos cognatos, ritmos frasais e outras questões de cunho literário. O texto deve fluir bem, sem engasgos. (Ler crônica sobre o assunto no Blog da Companhia: “O preparador, esse desconhecido“)

Comecei como preparadora de originais. Ao todo, foram 27 títulos.


NOVA YORK – A vida na grande cidade
Will Eisner
Companhia das Letras, maio de 2009
Trad. Augusto Pacheco Calil

Protagonizados por personagens singulares, as histórias reunidas neste livro registram momentos às vezes irônicos, às vezes trágicos, da vida dos habitantes da metrópole, revelando muito mais do que “um acúmulo de grandes edifícios, grandes populações e grandes áreas”.

Nova York: A grande cidade e Caderno de tipos urbanos são compostos de vinhetas que registram, a partir do cenário da cidade, aspectos do dia a dia de seus habitantes. Esses breves vislumbres iluminam com delicadeza desde as situações mais cotidianas até as reviravoltas mais trágicas. O olhar agudo que se revela nas vinhetas ganha em O edifício e Pessoas invisíveisaspecto mais sombrio. Nessas histórias, que são sobretudo biografias de personagens solitários e esquecidos, Eisner põe em xeque o isolamento e a indiferença impostos pela metrópole.

Verdadeira obra-prima dos quadrinhos, Nova York é um registro impressionante não só da sensibilidade de seu autor mas da vida que se esconde por trás de toda grande cidade.


HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS
Edgar Allan Poe
Companhia das Letras, maio de 2008
Trad. José Paulo Paes

Nestes contos – selecionados e traduzidos por José Paulo Paes – Edgar Allan Poe imaginou algumas das mais conhecidas histórias de terror e suspense da literatura, tramas que migraram da ficção direto para o imaginário coletivo do Ocidente. É o caso de “O gato preto”, a tenebrosa história de um assassinato malogrado, ou de “O poço e o pêndulo”, que apresenta uma visão macabra da ansiedade da morte. Pioneiro dos contos de mistério, como “A carta roubada” e “O escaravelho de ouro”, Poe deu a seus personagens notável profundidade psicológica. Usando de diversos artifícios narrativos inovadores, criava climas e situações aterrorizantes. Apresentação do tradutor.


VENENO REMÉDIO – O futebol e o Brasil
José Miguel Wisnik
Companhia das Letras, maio de 2008

Os estudos de grande abrangência sobre o futebol, ao abordar as questões políticas, sociais, econômicas e comportamentais em torno do esporte, costumam deixar de lado o essencial: o jogo em si, aquilo que faz dele uma atividade capaz de apaixonar bilhões de pessoas dos mais remotos cantos do mundo.

O futebol, tal como foi incorporado e praticamente reinventado no Brasil, tem muito a dizer, com sua linguagem não-verbal, sobre algumas de nossas forças e fraquezas mais profundas, ajudando a ver sob outra luz questões centrais da nossa formação e identidade.

Temas recorrentes na melhor ensaística brasileira, como a “democracia racial”, o “homem cordial” e a deglutição antropofágica do influxo cultural estrangeiro, encontram aqui um viés inesperado e original como um corta-luz, um drible de corpo, um lançamento com efeito ou uma folha-seca – jogadas que os craques brasileiros inventaram ou desenvolveram, encontrando novos caminhos para chegar ao gol e à vitória.

Lançando mão de um sofisticado instrumental crítico que bebe na filosofia, na sociologia, na psicanálise e na crítica estética, José Miguel Wisnik desce às minúcias do jogo da bola e de sua evolução ao longo das décadas. Nas páginas deste ensaio, craques como Domingos da Guia, Pelé, Garrincha e Romário põem à prova, com sua linguagem não-verbal, idéias sobre o país de escritores como Machado de Assis, Mário e Oswald de Andrade, sociólogos como Gilberto Freyre, historiadores como Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior.


POLÍTICA, CULTURA E CLASSE NA REVOLUÇÃO FRANCESA
Lynn Hunt
Companhia das Letras, março de 2007
Trad. Laura Teixeira Motta

Em 1984, quando Lynn Hunt publicou este estudo, a discussão acerca da Revolução Francesa girava ao redor de três eixos: o marxista, cujo interesse era examinar a nova classe que surgia e seus desdobramentos modernos; o revisionista, que dizia não haver nova classe e sim uma adesão da burguesia à elite; e o toquevileano, para o qual a Revolução engrandeceu e centralizou o Estado.

O problema, segundo a autora, é que as três visões são calcadas na idéia de que a Revolução deve ser vista somente a partir de suas origens e conseqüências, ou seja, que ela estava determinada no passado e que seus desdobramentos mais relevantes estão no presente. O que fica de fora, portanto, é a vivência do período revolucionário e, mais especificamente, a vivência da política durante o processo da revolução.

Segundo a autora, o que surgiu com a Revolução Francesa foi uma culturada política, dotada de “valores, expectativas e regras implícitas” próprios. Ao analisar o impacto desse novo repertório no bojo da Revolução, e não apenas seus desdobramentos modernos, ela lança nova luz sobre o período revolucionário, trazendo a política para a esfera da cultura e revelando a cultura como parte intrínseca da vida política e mediadora das relações sociais.


Título do LivroA UTOPIA NO CINEMA BRASILEIRO: Matrizes, nostalgia, distopias
Lúcia Nagib
Cosac Naify, novembro de 2006

Neste livro, a renomada pesquisadora e professora Lúcia Nagib lança seu olhar crítico sobre o cinema brasileiro da década de 1990, enfocando a continuidade e as transformações das visões utópicas num período que se caracterizou pelo anúncio do fim das utopias. A autora se debruça sobre os filmes de ficção e propõe a discussão sobre as possibilidades do cinema ficcional como revelador do processo histórico do país, analisando filmes de diretores como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Walter Salles, Toni Venturi, Beto Brant, Rosemberg Cariry, Bia Lessa e Fernando Meirelles, entre outros. Nagib ilumina seu percurso reflexivo recorrendo a pensamentos de filósofos e teóricos do cinema e também resgata os mitos fundadores do país.


QUANDO FUI MORTAL
Javier Marías
Companhia das Letras, outubro de 2006
Trad. Eduardo Brandão

Javier Marías foi vizinho de Vladimir Nabokov nos Estados Unidos. Como o espanhol tinha um ano de idade, entretanto, e foi para lá com o pai, que dava aulas numa universidade americana, não consta que tenha sido influenciado por conversas com o russo expatriado – e tampouco visitado por seu fantasma.

Essa história, verdadeira, não está em Quando fui mortal, mas bem que poderia. O que não falta nos doze contos do livro são encontros inesperados cujos desdobramentos são ainda mais surpreendentes. As vidas sobre as quais Marías se debruça e observa, seja como fantasma, seja como mortal, são repletas de pequenos episódios aparentemente desimportantes, mas que na verdade se mostram cheios de encantamento e possibilidades.

Como o fantasma do conto que dá título ao livro, Marías paira sobre os seus protagonistas, observados com uma ironia que quase disfarça o olhar carinhoso, revisitando acontecimentos e diálogos e conferindo a eles, assim, mais sentido e vigor. Há muitos mortos no livro, evidentemente, mas o fundamental para o autor não é a morte: é a vida, particularmente a vida pequena e cotidiana.


Título do LivroCRÔNICAS DA PROVÍNCIA DO BRASIL
Manuel Bandeira
Cosac Naify, outubro de 2006

Quase setenta anos depois de ser lançado, este primeiro livro de prosa de Manuel Bandeira volta às livrarias em edição independente do volume de obras completas, com organização, posfácio e notas do pesquisador Júlio Castañon Guimarães, e marca o início da publicação da obra em prosa de Manuel Bandeira pela Cosac Naify. Publicado em 1937, o livro revelou um cronista que até hoje corria o risco de ficar escondido na sombra do grande poeta que se firmara desde pelo menos a publicação de Libertinagem (1931). Ainda hoje, essas 47 crônicas surpreendem: mais que um saboroso livro de prosa, os textos compõem um retrato muito agudo da modernização da sociedade brasileira da primeira metade do século XX. O volume impressiona tanto pela diversidade quanto pela unidade de tom que o autor buscou para retratar o que ele chama de “província do Brasil”. Os diversos tipos de crônica mostram os contornos maleáveis do gênero: desde um estilo que se aproxima do ensaio erudito até a “conversa fiada literária”, meio lírica, meio anedótica, já antecipando o estilo que acabou por marcar a obra dos grandes cronistas do país. Mesmo com tamanha diversidade – arquitetura, artes, cultura popular, personalidades – o livro mantém a unidade no conjunto, justamente pela prosa coloquial e corretíssima de Bandeira, que faz das Crônicas da província do Brasil “companheiro inseparável de todo homem de bom gosto”, como escreveu o crítico Antonio Candido.


O HOMEM DOS CÍRCULOS AZUIS
Fred Vargas
Companhia das Letras, julho de 2006
Trad. Dorothée de Bruchard
(Preparação e aparatos editoriais)

Nos últimos meses, alguém vem percorrendo as ruas de Paris e traçando círculos de giz azul em volta de sucatas encontradas na calçada: um brinco, um novelo de lã, uma vela, uma touca de natação, uma bolsa… A imprensa acha graça, os psiquiatras tecem análises e os parisienses estão intrigados. Mas logo a polícia encontra uma mulher degolada, dentro dos mesmos círculos, agora com a inscrição: “Ô Bento, seu azarento, na rua com esse vento?”.

Entra então em cena o mais conhecido personagem de Fred Vargas, o delegado Jean-Baptiste Adamsberg, que passa o tempo todo mexendo vagarosamente o café e rabiscando em papéis de rascunho. Ao lado dele, gravitam outros personagens também interessantes e engraçados: um cego que faz tiradas impagáveis, uma mulher que estuda peixes de águas profundas, uma solteirona que procura marido nos classificados.

Durante várias semanas, Adamsberg continua a mexer vagarosamente o café enquanto o assassino atua sem deixar pistas. Até que um círculo oval surge na rue Bertholet com a mesma pergunta – mas ele agora tem uma resposta.

O homem dos círculos azuis, primeiro livro da série que traz como protagonista o delegado Jean-Baptiste Adamsberg, foi premiado no festival de Saint-Nazare em 1992.


AS AULAS DO PROFESSOR DINOSSAURIUS
Valerie Wilding
Companhia das Letrinhas, julho de 2006
Trad. Rafael Mantovani

Este senhor magrelo e de óculos é o professor Dinossaurius. Com ele, a 5a. F faz uma excursão até a era mesozóica, tempo em que os dinossauros dominavam a Terra, muito antes do surgimento dos seres humanos. As tarefas dos alunos são: conversar com um dinossauro filhote, espiar predadores e suas presas no meio da floresta, visitar um sítio moderno de escavação de fósseis, e o que mais o professor inventar.

Da mesma coleção de As aulas da professora Galáxia, um livro cheio de ilustrações divertidas e informações surpreendentes sobre essas criaturas com rabos, dentes e escamas.


WILLIAM SHAKESPEARE E SEUS ATOS DRAMÁTICOS
Andrew Donkin
Companhia das Letrinhas, julho de 2006
Trad. Eduardo Brandão

Todo mundo já ouviu falar de William Shakespeare. Considerado um dos maiores escritores de todos os tempos, Shakespeare – Will, para os íntimos – é autor de textos célebres como Romeu e JulietaSonho de uma noite de verão e Hamlet. Essas peças estão entre as mais encenadas no mundo, e Will faz um tremendo sucesso em todos os países que passa.

Em William Shakespeare e seus atos dramáticos, novo lançamento da coleção Mortos de Fama, você vai ficar sabendo de tudo sobre esse misterioso autor. Tão misterioso que tem gente que duvida que ele tenha existido em carne e osso! E os suspeitos de terem escrito sua obra não seriam poucos, alguns acham que até mesmo a rainha Elizabeth pode ter arriscado algumas histórias!

Lendo o “Diário secreto de William Shakespeare” você vai ficar sabendo o que se passava na cabeça de Will quando ele era criança e até quando criava suas peças. No jornal Echos D’Albion, vai conhecer a Inglaterra de época de Will, com seus reis e rainhas, suas guerras e seus costumes esquisitos. A seção “Um cara enigmático” traz à tona grandes mistérios da vida de Will, como o do chá de sumiço que ele tomou por sete anos antes de se mudar para Londres. Você ainda vai conhecer o enredo de algumas das principais peças de Will, bem como seus personagens e também as falas mais famosas, e, para completar, terá acesso exclusivo aos bastidores do Globo, o teatro que Will e seus colegas construíram na beira do Tâmisa. William Shakespeare: Divertido de morrer – Interessante de morrer – Famoso de morrer.


CRÍTICA DA IMAGEM EUROCÊNTRICA
Ella Shohat e Robert Stam
Cosac Naify, junho de 2006
Trad. Marcos Soares

Este volume marca o 10º número da coleção Cinema, Teatro e Modernidade, organizada pelo professor Ismail Xavier, da ECA-USP. Leitura obrigatória para pesquisadores, estudantes e para o público interessado por trabalhos que se colocam no limite entre diversas áreas do saber. O multiculturalismo permeia a discussão. Com um aparato crítico que perpassa múltiplas áreas do saber (teoria da comunicação, antropologia, história, sociologia, psicanálise etc.), e ancorados no domínio e conhecimento sólidos dos discursos e imagens produzidas ao longo do século XX, quando o cinema se tornou um meio de comunicação muito popular, os autores analisam e desvendam lugares comuns do nosso imaginário audiovisual, identificando nele valores morais, políticos e estéticos, produzidos, representados, introjetados e, por fim, naturalizados. Este não é um livro de cinema no sentido estrito do termo (de teoria ou história do cinema), mas um livro sobre cinema num sentido amplo, na medida em que se vale do cinema (inclusive da teoria e da história do cinema) para fazer a genealogia e principalmente a crítica da hegemonia de determinadas ideias e representações que determinaram o jeito de ser e de pensar da sociedade contemporânea, no âmbito da cultura popular. No debate sobre a cultura e a política, o livro refaz a história das ideias que formaram o imaginário contemporâneo, ou das ideias que venceram.


OS VENDILHÕES DO TEMPLO
Moacyr Scliar
Companhia das Letras, maio de 2006

A expulsão dos vendilhões do Templo de Jerusalém – relatada em poucas linhas do Evangelho de São Mateus – é o ponto de partida para uma narrativa original, que se desdobra em três épocas: 33 d.C., 1635 e os nossos tempos.

As três histórias se entrelaçam e se iluminam umas às outras, desdobrando de maneira inesperada o núcleo temático do episódio bíblico, com diversas possibilidades cômicas e dramáticas e focalizando suas implicações morais. A exemplo do que fez no premiado A mulher que escreveu a Bíblia, Scliar parte da narrativa bíblica para traçar um painel muito pessoal e bem-humorado dos dilemas de nosso tempo.


AS AULAS DA PROFESSORA GALÁXIA
Phil Roxbee Cox
Companhia das Letrinhas, abril de 2006
Trad. Rafael Mantovani

Bernardo Simões estuda em um escola pouco convencional, a começar pelos professores. A senhorita Galáxia, por exemplo, um dia entrou na classe dizendo: “Na aula que vem, vamos pisar na Lua” – e ela não estava brincando. Para dar aulas de ciência, leva a turma até para dentro do buraco negro.

Enquanto os alunos se entretêm com as maluquices que a professora propõe, aprendem sobre o espaço e a gravidade (flutuando acima das carteiras), sobre os outros planetas (fazendo um tour por toda a galáxia em uma sala-espaçonave) e também sobre a Lua e as viagens espaciais (andando em jipes lunares).


FORA DO TOM
Sting
Cosac Naify, fevereiro de 2006
Trad. Cassio Arantes Leite

Uma autobiografia sincera e apaixonada dá a dimensão do talento e da persistência de Sting, um dos maiores astros do rock que a Inglaterra já produziu. Com texto autoirônico, ele relembra o drama familiar de seus pais, sua infância e os anos de formação, as primeiras namoradas, as amizades, suas influências musicais e parcerias fundamentais, como o encontro com Stewart Copeland e Andy Summers, que selaria a formação definitiva da banda The Police. Em sua trajetória rumo ao estrelato, o artista dá um retrato fiel da vida na estrada, tocando noite após noite em espeluncas, cabarés e pubs da Europa e Estados Unidos.


A PROMESSA DO LIVREIRO
John Dunning
Companhia das Letras, dezembro de 2005
Trad. Álvaro Hattnher

O ex-policial Cliff Janeway está de volta às livrarias, mais de uma década depois de sua estréia em Edições perigosas, romance ganhador do prêmio Nero Wolfe de literatura policial, e de Impressões e provas. Em A promessa do livreiro, Janeway recebe a visita de uma velha senhora que lhe pede algo impossível: recuperar uma coleção de obras raras do famoso explorador inglês Richard Burton, que havia pertencido ao avô dela e que fora roubada oitenta anos antes.

Para provar que está dizendo a verdade, ela entrega a Janeway uma primeira edição de Burton autografada. Dias depois, uma mulher é assassinada por causa do livro. Furioso, Janeway decide ir fundo na investigação e deixa a cidade de Denver para caçar dois livreiros vigaristas em Baltimore. Outras três pessoas parecem estar ligadas ao crime: um brutamontes sem sobrenome e um ganhador do prêmio Pulitzer, além de uma bela advogada que inspira Cliff Janeway a pentear o cabelo.

Durante a investigação, ele se depara com respostas de um enigma ainda maior: por que Richard Burton esteve durante três meses no interior dos Estados Unidos, pouco antes da Guerra Civil? Seria ele um espião? Em A promessa do livreiro, John Dunning lida com mistérios do passado e do presente, da verdade e da ficção, manipulando, com a habilidade de costume, dezenas de personagens e intrigas.


71 CONTOS DE PRIMO LEVI
Primo Levi
Companhia das Letras, novembro de 2005
Trad. Maurício Santana Dias

Depois de se tornar mundialmente famoso com os livros É isto um homem? (1947) e A trégua (1963), nos quais denunciava as atrocidades que viveu nos campos de concentração nazistas, Primo Levi surpreendeu seus leitores ao publicar, em 1966, o volume de contos intitulado Histórias naturais. Sob o pseudônimo de Damiano Malabaila, o escritor italiano passava da literatura de testemunho para o campo da ficção científica e do conto fantástico, rompendo o pacto autobiográfico dos dois primeiros livros.

Em 1971, Levi lançou – dessa vez sem recorrer ao pseudônimo – nova coletânea de contos, que desenvolviam alguns temas do volume anterior. Vício de forma veio confirmá-lo como um dos principais escritores da segunda metade do século XX, além de reforçar o aspecto mais propriamente ficcional de sua obra.

Finalmente, em 1981, Levi publicou o seu terceiro livro de contos, Lilith, dessa vez entremeando narrativas fantásticas e relatos autobiográficos, como se quisesse reiterar que as duas coisas andavam juntas e se complementavam. De fato, o sobrevivente de Auschwitz usa a imaginação para sondar as perspectivas deste mundo: a possibilidade de um colapso ambiental, a mercantilização total da vida, a mistura entre corpo e máquina, a emergência da realidade virtual, a indistinção entre humano e não-humano.


Título do LivroPINA BAUSCH
Fabio Cypriano
Cosac Naify, novembro de 2005

Este é o primeiro livro brasileiro que acompanha toda a trajetória de uma das mais importantes e influentes coreógrafas do século XX, criadora da linguagem chamada “teatro-dança”. O ensaio reconstrói o percurso e o processo de trabalho da companhia de Pina Bausch, o Tanztheater Wuppertal, na Alemanha, desde os primórdios nos anos 1970 até a criação da peça brasileira,Água, de 2001. Fabio Cypriano destaca o método de pesquisa da artista, sobre as subjetividades de seus bailarinos, e aborda o esgarçamento das fronteiras geográficas de seu trabalho, “a partir da utilização de elementos de culturas diversas, numa verdadeira ambição de criar com sua dança-teatro uma linguagem universal”. Daí a origem das peças inspiradas e produzidas em diversas cidades do mundo, como Viktor (Roma, 1986), Nefés (Istambul, 2003), Ten chi (Saitama, Japão, 2004) Rough cut (Seul, Coreia, 2005), entre outras. Tendo acompanhado o processo criativo dos bailarinos e da coreógrafa no Brasil, o autor conclui que “a relação entre o erudito e o popular é a base da forma de observação de Bausch, uma artista interessada na gente das ruas, nas manifestações com raízes populares”. As fotografias inéditas do belga Maarten Vanden Abeele acompanham também este segundo bloco do livro dedicado exclusivamente à peça brasileira.


ESPIÕES
Michael Frayn
Companhia das Letras, julho de 2005
Trad. Nina Horta

A Segunda Guerra ainda não havia chegado a uma rua tranqüila no subúrbio de Londres, até que dois meninos resolvem bancar agentes secretos. Certa manhã, Keith e Stephen abandonam a brincadeira de estrada de ferro na horta de pepinos, e começam a vigiar a sra. Hayward, mãe de Keith, certos de que ela seria uma espiã alemã. Aos poucos, descobrem que algo estranho acontece na rua: beijos proibidos, vizinhos com atitude suspeita, passagens secretas, tráfico de meias de lã.

Cinqüenta anos depois, os acontecimentos daquele verão ainda atormentam Stephen. Ele retorna à rua de sua infância e tenta entender como uma brincadeira de meninos levou a uma tragédia de adultos, dando-lhe “uma intuição profunda da solenidade e tristeza das coisas”.

Ganhador do prêmio Whitbread 2002 de melhor romance, Espiões é a história de coisas que parecem simples, sobretudo aos olhos de uma criança, mas que se tornam cada vez mais complexas e dolorosas. É um relato sobre a gravidade da infância, o peso da inocência e a dificuldade de evocar o próprio passado.

“O que nem Henry James e nem Bernard Shaw conseguiram, o talentoso autor inglês Michael Frayn conseguiu: escrever peças e romances igualmente bem-sucedidos.” – John Updike, The New Yorker


BOBBY GOLD – Leão-de-chácara
Anthony Bourdain
Companhia das Letras, julho de 2005
Trad. Pedro Maia Soares

Anthony Bourdain causou escândalo mundial com Cozinha confidencial, obra em que revelou os bastidores da cozinha de grandes restaurantes. No romance Bobby Gold, leão-de-chácara ele narra cenas da vida de um brutamontes sensível, em crise com sua profissão violenta.
Além de ser o “chefe da segurança” de um restaurante e clube noturno, Bobby, de 1,93 de altura e sempre vestido de preto, pune os devedores de seu chefe mafioso, quebrando-lhes os ossos cientificamente. Para isso, aproveita os exercícios de musculação e os estudos de anatomia que fez enquanto esteve preso por tráfico de cocaína. No restaurante, ele conhece Nikki, cozinheira auxiliar e também insatisfeita com sua vida de molhos e porres homéricos. O encontro entre o leão-de-chácara tímido e melancólico e a desinibida e desmiolada cozinheira trará conseqüências imprevisíveis para a vida de ambos.
Bourdain dosa o humor com a observação de ambientes, a fala típica, a tensão erótica e, é claro, sua especialidade, as cenas de cozinha. O resultado é um romance que pode ser saboreado aos poucos, nos detalhes, como pode ser lido avidamente, como um bom policial.


O LUXO ETERNO – Da idade do sagrado ao tempo das marcas
Gilles Lipovetsky e Elyette Roux

O filósofo Gilles Lipovetsky, que provocou frenesi nos anos 80 ao colocar o fenômeno da moda no centro das discussões acadêmicas, volta seu poder de análise para um novo objeto de estudo: o universo do supérfluo.

O ponto de partida é a constatação de que o consumo de bens luxuosos nunca foi tão grande. Para melhor entender o fenômeno, o autor faz uma ampla “arqueologia” desses bens, desde os tempos sagrados das tribos indígenas, passando pela Antiguidade e pela Renascença, até o dos grandes conglomerados das marcas atuais. E é nos dias de hoje que ele centra o foco.

Para Lipovetsky, mesmo em um período marcado pela preocupação com o tempo presente, o luxo se configura como área de domínio da eternidade. A relação dos consumidores é cada vez mais uma relação emocional com as marcas que os fazem sonhar, e isso dá origem a um prazer muitas vezes tão intenso que parece durar para sempre, afirma o filósofo. Fazendo jus ao rótulo de pensador original, a nova obra de Lipovetsky promete polêmica.

O segundo ensaio do livro, escrito pela especialista em marketing e gestão de marcas de luxo Elyette Roux, confirma as teses do filósofo com estatísticas e pesquisas sobre o universo dos produtos de alto padrão e analisa o gerenciamento de algumas das marcas mais desejadas da atualidade.


OS DENTES FALSOS DE GEORGE WASHINGTON
Robert Darnton
Companhia das Letras, junho de 2005
Trad. José Geraldo Couto

Os dentes falsos de George Washington reúne oito artigos do renomado historiador Robert Darnton. Tratando de temas aparentemente díspares, o autor capta o espírito e a carne do século XVIII por meio de detalhes da vida cotidiana e do imaginário da época.

Sem fazer distinção entre temas nobres e temas plebeus, Darnton põe em cena personagens de carne e osso às voltas simultaneamente com grandes especulações filosóficas e problemas miúdos, como dor de dente e aluguel atrasado. Os dentes falsos de George Washington apresenta um mundo vivo e colorido, uma combinação altamente pessoal da história das mentalidades com a história do cotidiano e da vida privada.


UMA TEMPORADA DE FACÕES – Relatos do genocídio em Ruanda
Jean Hatzfeld
Companhia das Letras, junho de 2005
Trad. Rosa Freire d’Aguiar
(Aparatos editoriais)

Durante a primavera de 1994, 800 mil tútsis foram mortos a golpes de facão, em Ruanda. Numa rotina que durou quase cem dias, das 9h30 às 16h, os hútus saíam de casa cantando e vasculhavam os pântanos em busca dos próprios vizinhos. Decepavam até o final do expediente. À noite, bebiam cerveja, trocavam mexericos, contavam piadas e afiavam as ferramentas nas pedras-pomes. “Matar era menos cansativo do que plantar”, dizem. “Bastava vasculhar para colher”.

Dez anos depois, o jornalista Jean Hatzfeld instalou-se em Ruanda para entender o genocídio. Em Dans le nu de la vie (2000), registrou o testemunho das vítimas sobreviventes; agora, em Uma temporada de facões, ouve os matadores. Como diz Susan Sontag na apresentação do livro, “Esforçar-se para entender o que aconteceu em Ruanda é uma tarefa dolorosa da qual não temos o direito de nos esquivar – faz parte de ser um adulto moral”.

Com enorme franqueza e muitas vezes até com candura, dez dos assassinos falam sobre a organização e execução da matança, a banalidade, o ódio, o arrependimento e o perdão. Discursam sobre o horror e o indizível. Nas conversas, uma angustiante constatação: são pessoas comuns, sem traços de ferocidade. Pais de família, jogadores de futebol, professores e lavradores que deceparam amigos íntimos sem constrangimento e, no final, fariam tudo novamente.


OS ANOS DO CONDOR
John Dinges
Companhia das Letras, maio de 2005

Concebido pelo governo sangrento de Augusto Pinochet, a Operação Condor representava uma aliança entre ditaduras sul-americanas na perseguição do comunismo pelo continente. Naqueles anos de Guerra Fria, havia o pavor de que grupos guerrilheiros, inspirados na experiência revolucionária de Cuba, repetissem na América Latina o que acontecera no Vietnã.

O Condor levou o terrorismo de Estado para além dos limites dos países-membros. Em 1976, o ex-ministro da Defesa chileno, Orlando Letelier, foi morto num atentado em Washington. Segundo a apuração do autor, os Estados Unidos poderiam ter evitado a morte de Letelier, já que conheciam naquele ano os planos do Condor de executar assassinatos no exterior.

Líderes políticos, guerrilheiros e milhares de civis foram executados no período do Condor. Em 1998, Pinochet foi preso em Londres a pedido de juízes espanhóis que o acusavam de cometer crimes de tortura e de assassinato contra a humanidade. A decisão da corte espanhola desencadeou uma série de processos contra militares e políticos implicados no Condor.


AMOR EM VENEZA
Andrea di Robillant
Companhia das Letras, maio de 2005
Trad. Hildegard Feist
(Só aparatos editoriais)

Em meados da década de 90, o colecionador de artes e conde Alvise di Robilant (1925-97) encontrou uma caixa de “papéis velhos que o tempo e a umidade haviam tornado quase ilegíveis” no sótão da antiga residência da família, em Veneza.

Datadas do século XVIII, as cartas contam a história do amor proibido entre Andrea Memmo (1729-93), membro de uma das famílias mais antigas da Itália, e Giustiniana Wynne (1737-91), uma anglo-veneziana de linhagem duvidosa. O romance ganhou fama entre os estudiosos da Itália setecentista graças ao registro de Casanova, amigo do casal. No entanto, até agora só as cartas de Giustiniana eram conhecidas; os originais de Andrea foram dados como perdidos, a despeito da extensa busca de especialistas por sebos e antiquários.

A caixa encontrada pelo conde no sótão do palazzo finalmente resgatou a metade perdida da história.
Neste Amor em Veneza, Andrea di Robilant, filho do conde, transforma a correspondência clandestina em uma envolvente narrativa de não-ficção, com base não só nas cartas, mas também em documentos da época e pesquisas históricas.


SEGREDOS GUARDADOS
Reginaldo Prandi
Companhia das Letras, abril de 2005

Religiões mudam, se transformam, dão origem a outros credos. Hoje, mais do que nunca, a religião muda para se adaptar a novas demandas da sociedade e poder competir com maior eficácia no mercado religioso, que cresce a olhos vistos. Segredos guardados procura entender o candomblé e outras religiões afro-brasileiras nesse contexto, analisando as mudanças de concepção, valores e práticas rituais que podem ser observadas ao longo das décadas.

Para que a religião dos orixás se consolidasse no Brasil, muitas adaptações foram introduzidas. Na África dos antigos povos iorubás, as famílias descendiam de antepassados míticos denominados orixás, cultuados como divindades. A escravidão destruiu no Brasil as linhagens familiares e os padrões de parentesco africanos, de modo que a religião dos orixás no Brasil teve que encontrar um outro meio para realizar a identificação dessa herança.

A quebra do vínculo religioso em relação ao laço de sangue permitiu a inclusão de homens e mulheres de todas as origens, sejam eles negros, brancos, mulatos, indígenas ou orientais. No século XXI, as religiões afro-brasileiras podem ser encontradas nos quatro cantos do país, mas seus seguidores tem diminuído. Segredos guardados discute o futuro dessas alternativas religiosas e sua capacidade de enfrentar as novas demandas e questões que a sociedade atual impõe à religião.


MORTE EM TERRA ESTRANGEIRA
Donna Leon
Companhia das Letras, dezembro de 2004
Trad. Luiz Antônio de Araújo
(Preparação e aparatos editoriais)

Um cadáver é encontrado nas águas turvas de um canal em Veneza. São cinco e meia da manhã. O comissário Brunetti, da polícia local, descobre apenas alguns centavos de dólar no bolso do rapaz, morto com uma facada no coração. Durante a investigação, as pistas parecem sugerir um simples assalto; mas o policial se convence de que alguém está trabalhando para encobrir o motivo do crime.

O policial veneziano que estreou em Morte no teatro La Fenice, retorna neste livro para investigar o assassinato de um jovem sargento norte-americano da base militar de Vicenza. Brunetti coloca sob suspeita a máfia, o governo italiano, os militares ianques, empresários locais e até sua própria família. Acossado por ameaças, o comissário precisa decidir quão longe está disposto a ir para fazer justiça – e continuar vivo.


A FEIJOADA QUE DERRUBOU O GOVERNO
Joel Silveira
Companhia das Letras, outubro de 2004
(Preparação e aparatos editoriais)

A feijoada que derrubou o governo reúne histórias políticas sempre saborosas, tanto das grandes figuras da República, como Juscelino Kubitschek, João Goulart ou Jânio Quadros, como das menos conhecidas do público atual (mas não por isso menos interessantes). Uma delas é Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, a raposa mineira que “tirava a meia sem tirar o sapato” e que, ao deixar o Ministério da Fazenda, pediu sete contos emprestados para pagar suas dívidas.

Já o chefe de polícia de Getulio Vargas, João Alberto Lins de Barros, intimava os amigos a comparecer de madrugada à delegacia com o objetivo de formar uma roda de pôquer. Só Getulio Vargas recusou-se a dar entrevista a Joel: esmagou no cinzeiro o que restava do charuto e saiu sem se despedir, batendo a porta. O incidente, claro, rendeu matéria.

Em meio a esses personagens todos, salta aos olhos um em especial: o próprio Joel. Seja no relato de sua experiência como correspondente na Segunda Guerra, na observação fina da fauna política brasileira e no relato histórico despretensioso, Joel mostra como o jornalismo pode ser saboroso e surpreendentemente original.